sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Christmas Lights

Fazendo-se, a vida se desfaz.



"Se compararmos a evolução a uma estrada, é preciso dizer que os acidentes do terreno não são impedimentos mas que, «a cada momento, eles lhe fornecem o indispensável, o próprio solo em que ela assenta.»"

"A matéria, ao criar obstáculos à vida, dá-lhe não só o terreno sobre o qual ela pode realizar-se, mas também a maneira de realizar-se."

" A vida não tem necessidade do corpo, ao contrário, ela gostaria muito de estar só e ir directamente à sua meta... Se ela não tivesse que arcar com este fardo, que milagres a vida não realizaria."

Bergson in M. Merleau-Ponty, p. 101-102

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Tia Suzana, Meu Amor (António Alçada Baptista)



Não posso deixar de vos dizer, agora que terminei de ler o livro, que é uma das melhores obras de ficção que li. Um prazer de simplicidade que transporta a experiência encantadora de quem percebeu a vida! Deixo apenas um excerto, que não tem que ver com o conteúdo ou com um maior nível de importância que lhe tenha atribuído, mas apenas foi na página onde abri:

"Não percebo porque é que arranjaram tantas trapalhadas com estas coisas do corpo. O corpo fala tanto como as palavras mas as pessoas, como deixaram de respeitar as palavras, também não respeitam o corpo. Eu acho que é por causa disso que o desejo é tão bruto porque só uma força muito grande e muito cega tem poder para atravessar as barreiras que levantámos à volta do nosso corpo..."

Alçada Baptista, p. 61  

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Porque não se ama sempre?


"«Porque não se ama sempre?» - pensava. Achava estranho, injusto e malvado o coração que procura outras novidades, como se pudesse haver novidade na repetição. Era terrível proposta, a de transferir a paixão para outra pessoa."

Agustina, p. 90

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Para reflectir...


"A liberdade representa uma pressão sobre a personalidade do indivíduo; o homem livre fica sem o alívio das ideias que ele possa ter de estar a ser perseguido. (...) E ele não tem ninguém que lhe dê ou retire a permissão para fazer o que ele quiser - em outras palavras, que o poupe da tirania de uma consciência. Não é de admirar que as pessoas temam não somente a liberdade, mas também a ideia de liberdade e o dar liberdade.(...) Ser mandado proporciona um grande alívio ao homem (...)"

Winnicott, p. 221 

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Mulher / Mãe


"Descobrimos que o problema não é tanto que todas as pessoas estavam lá dentro e depois nasceram, mas que no início todas as pessoas foram dependentes de uma mulher. É necessário dizer que no começo todo o mundo era completamente dependente de uma mulher, e depois tornou-se relativamente dependente. Parece que o padrão da minha saúde mental, como também da de vocês foi, desde o início, estabelecido por uma mulher, que fez de modo satisfatório aquilo que tinha de fazer, no estágio em que, para ser significativo, o amor só pode expressar-se fisicamente. Todos nascem com tendências hereditárias para a maturação, mas para que elas se concretizem é necessário que exista um ambiente facilitador satisfatório. Isso significa uma adaptação inicial sensível da parte de um ser humano. Esse ser humano é mulher, e geralmente mãe.

Winnicott, p. 192

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Imaturidade...


"A imaturidade é uma parte preciosa da adolescência. Ela contém as características mais fascinantes do pensamento criativo, sentimentos novos e desconhecidos, ideias para um modo de vida diferente. A sociedade precisa de ser chocalhada pelas aspirações dos seus membros não-responsáveis. Se os adultos abdicam, os adolescentes tornam-se adultos prematuramente, mas através de um processo falso. Um conselho à sociedade, para o bem dos adolescentes e de sua imaturidade: não permitir que eles queimem etapas e adquiram uma falsa maturidade através da transferência de responsabilidades que não são deles, ainda que eles lutem por elas."

Winnicott, p. 158 

 "A maturidade individual implica movimento em direcção à independência, mas não existe essa coisa chamada «independência». Seria nocivo para a saúde o facto de um indivíduo ficar isolado a ponto de se sentir independente e invulnerável. Se essa pessoa está viva, sem dúvida há dependência! Dependência da enfermeira de um sanatório ou da família."

Winnicott, p. 3

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Depressão - breve sumário...

"A depressão pertence à psicopatologia. Pode ser severa e incapacitante, e durar a vida inteira, mas, nos indivíduos relativamente saudáveis, geralmente é um estado de humor passageiro. No final, a depressão, fenómeno comum e quase universal, relaciona-se com o luto, com a capacidade de sentir culpa e com o processo de maturação. A depressão implica sempre força do ego; assim, tende a sumir e a pessoa deprimida tende a recuperar-se para a saúde mental."

Winnicott, p. 68

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

D.W.Winnicott


"Algumas crianças são obrigadas a crescer numa atmosfera intensamente criativa, mas que pertence aos pais e não à criança. Isso sufoca-as e elas param de ser. Ou desenvolvem alguma técnica de isolamento.
A provisão de oportunidades para que as crianças vivam as suas próprias vidas, tanto em casa como na escola, é uma questão muito ampla, e é um axioma o facto de que as crianças que não têm dificuldade para sentir que existem são justamente as mais fáceis de lidar. São as que não sentem que o princípio da realidade (a vida de facto) as agride de todas as formas. (...) Mas é importante que saibamos de outras pessoas que experimentar o «viver criativo» (por parte das crianças) é sempre mais importante do que se «sair bem»."

Winnicott, D., p. 38

Queria salientar que esta questão do "ser" está sempre antes, a base de sustentação para a vida é de facto a existência vivida, o ser enquanto "eu sou" para o "eu faço" - isto é saúde!   

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Voar...


Abre as asas e voa, voa para além do horizonte, sobrevoa em plenitude, o tempo, a paisagem - com atitude.

Voar e desprender, é soltar, dirigindo-se ao luar com plena vontade de ganhar.

Não existem amarras, voar é estar com problemas de aterrar, voa como quem ama, dá-te ao mar sempre à espera do luar!

Angelo 2004



quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Mulher...


"(...) a mulher é o ser que projecta a maior sombra e a maior luz nos nossos sonhos. A mulher é fatalmente sugestiva; vive de uma outra vida além da sua própria: vive espiritualmente nas imaginações que frequenta e fecunda."

Baudelaire, C. p. 9

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Diálogo...


"«Desde sempre», diz o autor, «fora glória minha conversar familiarmente, <more socratico>, com todos os seres humanos, homens, mulheres e crianças, que o acaso podia pôr no meu caminho; hábito favorável ao conhecimento da natureza humana, aos bons sentimentos e à franqueza de maneiras que convêm a um homem que quer merecer o título de filósofo. Porque o filósofo não deve ver com os olhos dessa pobre criatura limitada que a si mesma se intitula <homem de sociedade>, cheia de preconceitos tacanhos e egoístas, mas deve, pelo contrário, olhar-se como um ser verdadeiramente católico, em comunhão e relações iguais com tudo o que está em cima e tudo o que está em baixo, com as pessoas instruídas e as pessoas não educadas, com os culpados como com os inocentes.»"

Charles Baudelaire, p. 71

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Liberdade


"Não precisamos temer que as nossas escolhas ou as nossas acções restrinjam a nossa liberdade, já que apenas a escolha e a acção nos libertam das nossas âncoras."

Maurice Merleau-Ponty, p. 612

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Excertos... Educação...


Maurice Merleau-Ponty
1908-1961

"A situação da criança não é mais feliz assim (liberal) do que num sistema de educação autoritário: nas suas relações com o adulto a criança não chegou ao pé da igualdade que poderia dar-lhe equílibrio.
Sempre nos devemos interrogar sobre as razões que nos fazem adoptar uma atitude com as crianças (ainda que ela seja benevolente: pode ser demagogia). Nossa atitude não deve ser resultado de nosso próprios traumas; a criança não deve sofrer o contragolpe dos abalos que tivemos na vida; ela não está lá para servir de consolo aos nossos males pessoais, mas para viver a sua própria vida.
Seria bom que certos educadores não amassem a pedagogia com a paixão sofredora que às vezes encontramos (a criança é por isso mesmo colocada numa situação anormal). O educador deveria sê-lo por amor à vida, e não por ressentimento contra ela.
Problema da mesma espécie existe em toda a psicologia. Há sempre a superestimação ou subestimação do objecto: viver uma relação de igualdade com outrem é o que há de mais raro na nossa experiência. O outro parece-nos mais forte ou mais fraco."

M. Merleau-Ponty, p. 465

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Desafio a comentarem... e agradeço... Dedico aos Homens da Ciência!


"Não se pode ser invejoso ou agressivo para com outrem do mesmo modo que não se pode amá-lo ou depender dele, se formarmos uma só pessoa com ele."

Rosenfeld, H. p. 53

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Mensagem...


Não fiquem por estes excertos de leitura, projectem a vossa curiosidade e leiam as obras, a vossa vida ganha outro elan. Todos os autores que cito, insisto, são de quando em vez acrescentados, portanto, não desistam de clicar nos mesmos autores. Tenham paciência. Obrigado.

Angelo

LEV TOLSTÓI - Ressureição



Liev Tolstói, também conhecido como Léon Tolstói ou Leão Tolstoi ou Leo Tolstoy, Lev Nikoláievich Tolstói (Yasnaya Polyana, 9 de Setembro de 1828 — Astapovo, 20 de Novembro de 1910). Atentem na simplicidade intensa das suas palavras. As nuances utilizadas para passar uma mensagem, o trabalho despendido para a nossa compreensão.

"Um dos mais vulgares e divulgados preconceitos consiste em afirmar que cada pessoa tem apenas as suas características determinadas, que existem pessoas boas ou más, inteligentes ou estúpidas, enérgicas ou apáticas, etc. Mas as pessoas não são assim. Podemos dizer de um indivíduo que é mais vezes bom do que mau, mais vezes inteligente do que estúpido, mais vezes enérgico do que apático - e vice-versa; mas será mentira se dissermos que uma pessoa é boa e inteligente, e que outra é má e estúpida. No entanto, classificamos sempre as pessoas desta maneira. O que é incorrecto. As pessoas são como os rios: a água deles é igual, a mesma por todo o lado, mas cada rio ora é estreito, ora é largo, ora é rápido, ora calmo, ora límpido, ora turvo, ora frio, ora quente. As pessoas também. Cada qual transporta em si o germe de todas as características humanas e manifesta ora umas, ora outras, e às vezes nem parece ele próprio, mas continuando, no entanto, a sê-lo. Nalguns estas mudanças são particularmente acentuadas. (...) as mudanças tanto tinham causas físicas como espirituais."

p. 229
"O problema é que as pessoas pensam que há situações em que se pode tratar o próximo sem amor, mas tais situações não existem. Os objectos podem ser tratados sem amor: pode-se cortar as árvores, fazer tijolos, forjar ferro sem amor; mas não se pode tratar as pessoas sem amor, da mesma forma que não se pode tratar das abelhas sem cuidado. É esta a particularidade das abelhas. Se comerçarmos a tratá-las sem cuidado, prejudicá-las-emos e a nós próprios também. O mesmo se passa relativamente às pessoas. E não poderia ser de outro modo, porque o amor recíproco entre as pessoas é a lei fundamental da vida humana. Embora seja verdade que o homem não pode obrigar-se a amar alguém, ao contrário do que acontece com o trabalho em que o homem pode obrigar-se a trabalhar, tal não significa que seja lícito tratar as pessoas sem amor, sobretudo se exigirmos qualquer coisa delas. Se não sentires amor pelas pessoas, fica quieto (...) trata de ti, dos teus haveres, do que quiseres, mas não de outras pessoas. Do mesmo modo que apenas podemos comer sem prejuízo para a saúde, com proveito, se tivermos apetite, as pessoas podem ser tratadas com benefício e sem prejuízo apenas quando lhes temos amor. Basta permitires-te tratar as pessoas sem amor, ... e deixará de haver limites para a crueldade e para a ferocidade em relação aos outros ... e será infinito o teu sofrimento, como aprendeste no decurso de toda a tua vida."

 p. 409



domingo, 26 de setembro de 2010

Don Quijote de la Mancha



Num lugar da Mancha, de cujo nome não quero lembrar-me, não há muito tempo que vivia um fidalgo dos de lança em cabide, adarga antiga, rocim fraco e galgo corredor...

"-Senhores, as tristezas não foram feitas para os bichos, mas para os homens; mas se os homens as sentem demasiado, tornam-se bichos...

Capítulo XI

"-Os filhos, senhor, são pedaços das entranhas dos seus pais, e assim se hão-de querer, bons ou maus que sejam, como se querem as almas que nos dão vida: aos pais cabe encaminhá-los desde pequenos pelos caminhos da virtude, da boa educação e dos bons e cristãos costumes, para que, quando adultos, sejam báculo da velhice dos pais e glória da sua posteridade; e o força-los a estudar esta ou aquela ciência não o tenho por acertado, embora não seja danoso o tentar persuadi-los; e quando não se haja de estudar para «pane lucrando», sendo tão venturoso o estudante que lhe deu o céu pais que lho deixem, sou de parecer que lhe permitam seguir aquela ciência para que mais o virem inclinado; e embora a da poesia seja menos útil que deleitável, não é daquelas que desonram quem a possui. A poesia, senhor fidalgo, no meu parecer, é como uma donzela meiga e de pouca idade e em todos os aspectos formosa, a que têm o cuidado de polir e adornar outras muitas donzelas que são todas as outras ciências, e ela há-de servir-se de todas, e todas se hão-de autorizar com ela; mas essa tal donzela não quer ser manuseada, nem arrastada pelas ruas, nem publicada pelas esquinas das praças, nem pelos desvãos dos palácios. Ela é feita de uma alquimia de tal virtude que quem a sabe tratar transformá-la-á em ouro riquíssimo de inestimável preço. Há-de mantê-la, o que a possuir, dentro dos limites, não a deixando correr em torpes sátiras nem em desalmados sonetos; não há-de ser vendável de nenhuma maneira, a não ser em poemas heróicos, em lamentáveis tragédias ou em comédias alegres e artificiosas; não se há-de deixar manipular pelos truões nem pelo vulgo ignorante, incapaz de reconhecer ou de apreciar os tesouros que nela se encerram. E não penseis, senhor, que eu chamo aqui vulgo somente a gente plebeia e humilde; que todo aquele que não sabe, ainda que seja senhor e príncipe, pode e deve entrar na conta do vulgo..."


Capítulo XVI

Dos conselhos que Don Quijote deu a Sancho Pança antes de ele ir governar a ilha, com outras coisas bem consideradas...

"(...) que os lugares e grandes cargos não são outra coisa senão um golfo profundo de confusões. Primeiramente filho, hás-de temer a Deus; porque em temê-lo está a sabedoria, e sendo sábio não poderás errar em nada. Em segundo lugar, hás-de pôr os olhos em quem és, procurando conhecer-te a ti mesmo, que é o mais dificil conhecimento que possa imaginar-se. De te conheceres  resultará o não te inchares como a rã que quis igualar o boi; que se isto fizeres virá a ser os pés feios da cauda em leque da tua loucura a recordação de teres guardado porcos na tua terra. (...) e por isso mesmo os que não têm origem nobre devem acompanhar a gravidade do cargo que exercem com uma branda suavidade que, guiada pela prudência, os livre da murmuração maliciosa, de que não há estado que se livre.
Faz gala, Sancho, da humildade da tua linhagem, e não desdenhes dizer que descendes de lavradores; porque, vendo que não te envergonhas, ninguém se porá a envergonhar-te; e preza-te mais ser humilde virtuoso do que pecador soberbo. São inúmeros aqueles que nascidos de baixa estirpe subiram à suma dignidade pontifícia e imperial; e desta verdade te poderia apresentar tantos exemplos que te cansarias de ouvi-los.
Olha, Sancho: se tomas como norma a virtude e te prezas de praticar feitos virtuosos, não há que ter inveja aos feitos dos príncipes e senhores; porque o sangue herda-se e a virtude adquire-se, e a virtude vale por si só o que o sangue não vale.
Sendo isto assim, que o é, se acaso for procurar-te na tua ilha algum dos teus parentes, não o desdenhes nem afrontes, antes o hás-de recolher, agasalhar e obsequiar, que com isto satisfarás o céu, que gosta que não se despreza nada do que ele fez, e corresponderás ao que deves à natureza bem concertada.
Se levares tua mulher contigo (porque não fica bem que os que governam por muito tempo estejam sem as suas mulheres), ensina-a, doutrina-a e desbasta-lhe a natural rudeza, porque tudo o que ganha um governador discreto, perde-o muitas vezes uma mulher rústica e tola.
Se, por acaso, enviuvares, e com o cargo melhorares de consorte, não a tomes tal que te sirva de anzol e de isca, porque em verdade te digo que, de tudo o que a mulher do juiz receber há-de dar conta o marido na residência universal, com que pagará pelo quádruplo na morte o que ilegitimamente recebeu em vida.
Nunca interpretes arbitrariamente a lei, como costumam fazer os ignorantes que têm presunção de agudos.
Encontrem em ti mais compaixão as lágrimas do pobre, mas não mais justiça do que as queixas dos ricos.
Procura descobrir a verdade no meio das promessas e dádivas do rico e bem assim no meio dos soluços e importunidades do pobre. 
Quando se puder atender à equidade, não carregues com todo o rigor da lei no delinquente, que não é melhor a fama do juiz rigoroso que do compassivo.
Se dobrares a vara da justiça, que não seja ao menos com o peso das dádivas, mas sim com o da misericórdia.
Quando te suceder julgar algum pleito de inimigo teu, esquece-te da injúria e lembra-te da verdade do caso. Não te cegue paixão própria em causa alheia, que os erros que cometeres, a maior parte das vezes serão sem remédio, e, se o tiverem, será à custa do teu crédito e até da tua fazenda.
Se alguma mulher formosa te vier pedir justiça, desvia os olhos das suas lágrimas e os ouvidos dos seus soluços, e considera com pausa a substância do que pede, se não queres que se afogue a tua razão no seu pranto e a tua bondade nos seus suspiros.
A quem hás-de castigar com obras, não trates mal com palavras, pois bem basta ao desditoso a pena do suplício, sem o acrescentamento das injúrias.
Ao culpado que cair debaixo da tua jurisdição, considera-o como um mísero, sujeito às condições da nossa depravada natureza, e em tudo quanto estiver da tua parte, sem agravar a justiça, mostra-te piedoso e clemente, porque ainda que são iguais todos os atributos de Deus, mais resplandece e triunfa aos nossos olhos o da misericórdia que o da justiça.
Se estes preceitos e estas regras seguires, Sancho, serão longos os teus dias, eterna a tua fama, grandes os teus prémios, indizível a tua felicidade; casarás teus filhos como quiseres, terão títulos eles e os teus netos, viverás em paz e no beneplácito das gentes, e aos últimos passos da vida te alcançará a morte em velhice madura e suave, e fechar-te-ão os olhos as meigas e delicadas mãos de teus trinetos. O que até aqui te disse são documentos que devem adornar tua alma: escuta agora os que hão-de servir para adorno do corpo.

Capítulo XLII

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Mãe


"Diz-se que o luto, com o seu trabalho progressivo, apaga lentamente a dor. Eu não podia nem posso acreditar nisso, porque, para mim, o Tempo elimina a emoção da perda (não choro), é tudo. Quanto ao resto, tudo ficou imóvel. Porque aquilo que eu perdi não é uma Figura (a Mãe), mas um ser; e não um ser, mas uma qualidade (uma alma): não o indispensável, mas o insubstituível. Eu podia viver sem Mãe (todos nós podemos mais cedo ou mais tarde); mas a vida que me restava seria certamente e até ao fim inqualificável (sem qualidade)."

Roland Barthes, p. 86

domingo, 12 de setembro de 2010

Amsterdam

Gaston Bachelard - A terra e os Devaneios do Repouso (vou postando...)



Gaston Bachelard nasceu a 27 de Junho de 1884, em Bar-sur-Aube, França e faleceu a 16 de outubro de 1962, em Paris, França. A sua escrita remete-nos para toda a interioridade do ser, das profundezas do sonho, às profundezas orgânicas, fundindo-as. A sua leitura intensifica a natureza humana em toda a sua plenitude. A leitura de Bachelard só é entendida com base na pureza individual, desprendam-se por momentos do vosso amor-próprio e bebam-no, ele é um mensageiro.

"Considerado em seus aspectos humanos, o repouso é dominado necessariamente por um psiquismo «involutivo»."

p. 4

"Mas o que a educação não sabe fazer, a imaginação realiza seja como for."

p. 8

"Como pode esse cepticismo dos olhos ter tantos profetas quando o mundo é tão belo, tão profundamente belo, tão belo em suas profundezas e matérias?"

p. 9

"Ao instruir-se sobre um tipo de experiência, o filósofo torna-se inerte para outros tipos de experiência. Às vezes espíritos muito lúcidos encerram-se assim em sua lucidez e negam os múltiplos vislumbres formados em zonas psíquicas mais tenebrosas. Com relação ao problema que nos ocupa, percebe-se bem que uma teoria do conhecimento do real que se desinteressa dos valores oníricos se priva de alguns dos interesses que impelem ao conhecimento."

p. 10

"Decerto a felicidade é expansiva, tem necessidade de expansão. Mas também tem necessidade de concentração, de intimidade. Assim, quando a perdemos, quando a vida proporcionou «maus sonhos», sentimos saudade da intimidade de felicidade perdida."

p. 13

"A minha intenção ao enviar «A vida de Flexlein» à biblioteca de Lübeck é justamente a de revelar ao mundo inteiro...que se deve dar maior valor às pequenas alegrias dos sentidos do que às grandes."

p. 16

"Escutai ainda. O mesmo se dá com o amor. Este pálido amor que conhecemos é também o avesso, o sepulcro embranquecido do amor verdadeiro. O verdadeiro amor é selvagem e triste; é uma palpitação a dois nas trevas..."

D.H. Lawrence in Bachelard, p. 22

"Imita-se com mais ardor uma realidade que antes foi sonhada."

p. 23

"Um valor, no primeiro encontro, não se avalia: admira-se."

p. 36

"Ao sonhar a profundidade, sonhamos a nossa profundidade. Ao sonhar com a virtude secreta das substâncias, sonhamos com o nosso ser secreto. Mas os maiores segredos de nosso ser estão escondidos de nós mesmos, estão no segredo das nossas profundezas."

p. 39

"Ao escrever nos expomos directamente ao excesso."

Henri Michaux in Bachelard, p 62

"A maior luta não é travada contra as forças reais, é travada contra as forças imaginadas. O homem é um drama de símbolos."

p. 69

"(...) depois eu deixava tudo ali, em pousio talvez, visto que um homem é rico em proporção do número de coisas que é capaz de deixar tranquilas."

p. 79

"Para aqueles que não têm casa, a noite é um verdadeiro animal selvagem, não apenas um animal que urra no furacão, mas um animal imenso, que está em toda a parte, como uma ameaça universal."

p. 89


"Tudo se animaliza quando a descida se acentua."


p. 97

"Em suma, os realistas relacionam tudo com a experiência dos dias, esquecendo a experiência das noites."


p. 101

"Os livros não são feitos apenas com o que se sabe e o que se vê. Necessitam de raízes mais profundas."


p. 106


"É preciso que a boa refeição reúna os valores conscientes e os valores inconscientes. Ao lado de substanciais sacrificios à vontade de morder, ela deve comportar um homenagem aos tempos felizes em que engolíamos tudo, de olhos fechados."


p. 121


"Era para se aconhegar
Que ele queria morrer."

Rigueurs, in Bachelard, p. 125

A outra natureza...



"Aproxima-te da luz da vela. Não tenho medo de olhar os mortos. Quando vêm têm direito a permanecer no nosso olhar como as outras coisas."

Rainer M. Rilke, p. 123

sábado, 11 de setembro de 2010

Casa...



"Sentia-se que aquela miséria não lhes afectava as vidas e que havia algo na casa que os protegia dela."


Emile Souvestre in Bachelard, p. 80

É que o «pobre abrigo» mostra-se então claramente como o «primeiro abrigo», como o abrigo que cumpre imediatamente sua função de «abrigar».


"Era um cubículo apenas
Mas ali eu dormia sem ninguém.

Ali eu me abrigava.

Sentia como que um calafrio
Quando ouvia meu alento.
Foi lá que eu conheci
O verdadeiro gosto de mim mesmo.
Foi lá que fui só eu,
Sem nada conceder."

Jules Romains, p.19

quinta-feira, 9 de setembro de 2010


“(...) Pois a verdade é que o nosso temperamento se desenvolve no mesmo passo que os nossos estudos, neles se torna claro, neles se resume. Aprender é tão belo quanto viver. Não temas ser absorvido por espíritos superiores ao teu! Não te quedes a cismar medrosamente na originalidade do teu espírito! Não te arredes de tudo o que é poderoso, com medo que te arraste e afogue as tuas mais singulares qualidades. Tem calma, a originalidade que se perde no correr de um intenso trabalho de inteligência não podia ser senão um defeito, um frágil rebento destinado a perecer; essas qualidades duram apenas tanto quanto a sua doentia e acanhada palidez. E é de saúde que deves viver, pois a saúde se transformará em grandeza.

Jacobsen (2003, p. 162).

domingo, 5 de setembro de 2010

Terra



Terra, não é isto o que tu queres: surgir invisível em nós? Não é o teu sonho seres um dia invisível? Terra! Invisível? Se a transformação não é a tua missão imperiosa, então qual será? Terra, ó minha querida, eu quero. Oh, acredita, não seriam mais necessárias as tuas primaveras para me conquistar para ti-, só uma, ai! uma única é já demasiada para o sangue. Inominadamente, por ti me decidi, já de longe.
Rainer Maria Rilke

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Para os pais... vou acrescentando...


"A criança é o que nós acreditamos que ela é, reflexo do que queremos que ela seja. Estamos todos indissoluvelmente ligados pelo facto de que outrem é para connosco o que somos para com ele.


 M. Merleau-Ponty, p. 85

"(...) A nossa atitude parece-nos justificada e até imposta pela «natureza», pois esta traz ao mundo a criança em estado de desnudamento e impotência. Mas aqui convém fazer a distinção de Descartes entre «liberdade» e «poder», uma vez que a liberdade é a mesma para todos, mas o poder (os meios de realizá-la) não o é. Isso se aplica à criança: completamente desprovida de «poder» ao nascer, a liberdade não tem sentido para ela, pois não lhe é possível nenhuma autonomia. É esse estado totalmente passageiro que nos parece recomendar uma atitude possessiva. Na realidade, esse desnudamento provisório da criança humana está ligado a seu poder ulterior: é porque será homem que tem tão poucos instintos e está muito mais desaparelhado que um filhote de animal. Ao prolongar além da primeira infância a autoridade assumida, o adulto não está obedecendo à «natureza», está criando uma dependência, fazendo um escravo e inovando."

M. Merleau-Ponty, p.86

"(...) toda a relação humana é irradiante, «extravasa-se» sobre o «entourage»."

M. Merleau-Ponty, p. 91

"Hegel, falando da vinda do filho e do casal, diz que ele é «o ser para si do amor dos dois que cai fora deles». O filho é ao mesmo tempo a expressão do ser a dois de seus pais, e sua negação: é a terceira personagem que só poderá transformar essa relação."

M. Merleau-Ponty, p. 97

"(...) considerando os filhos como prolongamento seu e querendo evitar que passem pelas experiências pelas quais ela passou, a mãe chega, por condutas para eles incompreensíveis, a um resultado muitas vezes exactamente contrário ao desejado por ela; ou - a mãe se transforma em escrava dos filhos, aparentemente abdicando de sua vida pessoal em favor deles; na realidade, essa atitude muitas vezes é um meio de dominá-los (ela faz do sofrimento uma arma e com a resignação tenta provocar atitude afectuosa." 

M. Merleau-Ponty, p. 98/99

"Em geral, não há conduta realmente ajustada que seja possível diante da criança; porque, sendo ainda um bichinho em muitos aspectos, ela dispõe da palavra, instrumento da razão; diante do adulto que tenta repreendê-la, ela age como um bichinho; mas, quando o adulto quer amestrá-la como um bichinho, a criança replica com a palavra."


S. de Beavoir in M. Merleau-Ponty, p. 99 

"(...) Por isso, é ilusório recomendar a uma jovem o casamento e a maternidade para remediar as suas dificuldades: a maternidade, após talvez um breve período de calma, só servirá para acentuar a sua neurose. A maternidade não resolve os problemas pessoais; muitas vezes os agrava: as mães equilibradas eram equilibradas entes de serem mães."

M. Merleau-Ponty, p. 99/100


"A importância extrema do factor psicológico é constituída pela presença da mãe, e é entre três meses e um ano que a ausência desta acarreta consequências graves para o desenvolvimento da criança."

M. Merleau-Ponty, p. 370

"A criança é um organismo situado num meio humano, e não apenas um organismo físico-químico; é capaz de ter condutas não explicáveis apenas pelo funcionamento orgânico; pode antecipar-se: relação prematura como o meio (está adiantada em relação ao estado efectivo do organismo)."

M. Merleau-Ponty, p. 370

" Não é evitando as tensões das situações afectivas que a criança se forma. O apego da criança ao adulto é suscitado pelo próprio adulto: é uma situação recíproca; se é amada, a criança ama. A criança sente na própria vida os contragolpes da afectividade alheia. A criação de uma mãe fantasmagórica não dá a satisfação que daria uma mãe de verdade."

M. Merleau-Ponty, p. 371

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Filme "Sunshine" - Carta de pai para o filho!



You’re entering a new world, a world where you certain will be successful, because you have knowledge.
Our exclusion from the society has giving us an ability to adapt to others, and to sense connections between things which seem diverse.
But if you feel you have power, you are mistaken. If you feel you have the right to put yourself ahead of others because you think you know more then they do, you are wrong.
Never allow yourself to be driven into the sin of conceit. Conceit it’s the greatest of all sins, the source of all other sins.
Never give up your religion, not for God. God is present in all religions, but if your life becomes a struggle for acceptance you always be unhappy. Religion may not be perfect, but it is a well built boat that can stay balanced and carry you to the other shore.
Our life is nothing but a boat adrift on water balanced by permanent uncertainty. About the people that you will judge! Know this! All they do is struggling to find the kind of security, they’re just people like us, and therefore you must not judge them on the basis of appearance or ear saying.
Trust no one, examine all things yourself. Do not join with power. Despise all rank. Do not make ostentation with what is yours. Owning possessions and properties ultimately comes to nothing. Possessions and properties can be consumed by fire, swapped away by flood, taken away by politics.
Do not undertake what you do not know, this causes anxiety which makes you ill.

EXERCISE DISCIPLINE!

Desespero...



Surge de uma corrente vazia de tudo e cheia de nada! O alívio surge do vazio e penetra o interior de uma forma paralela, não se dá conta! É pânico que dói, que mói, que corrói e deixa sem saída aparente quem dele sofre! Mas há-de ir embora, há-de esvaecer para que se transforme em força viva, acrescida da aprendizagem e da experiência. O Verbo estará a escutar o pensamento interno e a enchê-lo da luz que alivia e traz a esperança de quem efectivamente quer ser feliz! Amo o mundo, as pessoas e com eles me confundo! AMO


Ângelo

terça-feira, 31 de agosto de 2010

No comments...

Rock - escolha do Luís

Blues... A pureza...

Construção

O avanço na qualidade só acontece com base na inteligência, com produção intelectual conjunta. O ser pensante consegue o genuíno, o verdadeiro e o puro se conseguir, se tentar, se se esforçar por vilipendiar, arredar da sua consciência os conceitos primários que estão enviesados desde a primeira infância, a comparação, o orgulho, o amor-próprio, a inveja – todos estes conceitos que toldam a visão, não deixam ver claro, não deixam construir – no lugar da construção que deveria existir, temos apenas ruínas, tijolos que se vão amontoando criando apenas uma habitação temporária que a qualquer momento desaba provocando alguns mortos e feridos!
           
Quando se constrói na base da certeza e da consciência, do intelecto e não nos deixamos levar pelos conceitos que referi acima, a obra nasce sustentada, alicerçada com a certeza porém de que no futuro, todos os outros estarão também seguros e prontos para outros tipos de acção que permitem a construção do prédio, para ver mais longe, mais alto e à frente de todos os outros. Isto é o futuro, isto é o trabalho e isto é o avanço. Tudo o que entrava esta dinâmica deverá nascer noutro terreno, que não é o nosso, onde as ervas daninhas inibem o crescimento floreado, bonito e integrado, que rodeará o prédio em construção!

Vivam os homens com visão periférica, vivam os homens que olham para os outros claramente, vivam os homens que se preocupam com os outros, vivam, enfim, os homens naturais! Os que nascem sem a sombra, e nos quais o sol se deixa pousar!

Vivam os homens que lutam, vivam os homens que criticam, vivam os homens que são HOMENS!

Ângelo

Cito:

“Um rabino, um verdadeiro cabalista, disse um dia: para instaurar o reino da paz não é necessário destruir tudo e dar inicio a um mundo completamente novo; basta apenas deslocar ligeiramente esta taça ou este arbusto ou aquela pedra, e proceder assim em relação a todas as coisas(…)”
                                              
                                                                       In Agamben, G. (1990). Comunidade que vem

Os dias estão a passar, sempre passam e, com eles nós... é uma busca constante de intensidade de sentimento, aquele que nos prende à terra, que nos lança às mãos da profusão do amor... sentidos não partilhados, num emaranhado que inibe a descrição, é só uma anunciação particular... esses pensamentos voláteis integram outro ser, esse ser metade que completa, identifica e representa a unicidade maior que é o mundo, que é o amor que a todos une sem saberem... principal por ser primeiro e criador complexifica as ligações, por mais amadas que sejam, são elas a prova empírica do amor sentido, que totaliza a carne, volatiliza o espírito e sacrifica-o no sentido do sagrado... vivenciado no presente, no espaço e no tempo que é o nosso, eterniza-se e prende as amarras no todo... o sonho!!!

O sonho fere, pela leveza, intensidade onírica que não é vigilante... o salto ao imaginado, devaneado intenso, veemente, que quer, porque quer... as visões fluidificantes, passíveis de libertar impressões não vividas, activas no entanto, hiperestesias, lembranças, recordações... alcança-las, eis o vislumbre...

O monte, epicurista, alto, sôfrego,  câmara de retorno... pacífico, selvagem, rude, macio, verde, azul do céu e da água... calor suado, tempo e espaços fugidios, de tão sublimes... faltava inocência audaciosa, completou-se depois... espírito, espírito, por onde vogas, baixa-te, arrasa e rasa a terra, sublima-nos!

Ângelo

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Ciúme

"Ciumento é alguém que gostaria de ser aquele que ele contempla: ele tem o sentimento de frustração. Segundo Guillaume, o ciúme apareceria com sete meses (idade); segundo Wallon, com nove. Mais tarde, o ciúme se manifestará por birras: a criança desiste do que gostaria de ser e aceita a angústia de uma acção reprimida. O ciúme é essencialmente confusão de si com outrem.
O fenómeno da crueldade está ligado ao ciúme; o que o outro é, é em detrimento do ciumento, que procura fazer o outro sofrer. Mas a crueldade supõe uma simpatia pelo outro, que é considerado outro si-mesmo. A crueldade é uma «simpatia sofredora» (Wallon). O mal que faço a outrem faço a mim mesmo. Gostar de fazer mal a outrem é gostar de se fazer mal: em todo o sadismo há masoquismo (ideia pouco diferente da noção de sadomasoquismo  de Freud). O ciumento gosta de se fazer sofrer e sente uma espécie de prazer que visa aumentar a sua paixão sexual.
Todas estas concepções de Wallon concordam com as da psicanálise. Para esta, em toda a conduta ciumenta existe um elemento de homossexualidade. Para Wallon, o ciumento assume as atitudes que um terceiro tem para com outra pessoa. A psicanálise insiste no carácter contemplativo do ciumento, que está capturado, cativado, e gostaria de capturar, cativar. O ciumento desempenha em espírito todos os papéis da situação na qual se encontra."

M. Merleau-Ponty, p. 318

É complicado ser ciumento, porque há tantos???...

domingo, 29 de agosto de 2010

Rainer Maria Rilke - As Elegias de Duíno (...)


Atentem na expressão afectiva de todos estes excertos, é incomparável...

" Oh, e a noite, a noite, quando o vento, cheio do espaço do universo nos devora o rosto - , por quem não permaneceria ela, a desejada... Acaso não o sabias já? Lança de teus braços o vazio em direcção aos espaços que respiramos; talvez que as aves num voo mais intimo sintam o ar assim expandido."
p. 39

"E não será tempo de nós, os que amamos, nos libertarmos de quem amamos, como trémulos vencedores?
De sermos como a flecha que, vencendo o arco, se solta, toda ímpeto, passando a ser mais do que ela própria? Pois em nenhum lugar se permanece imóvel."
p. 41

"Que esperam todos eles de mim? Tenho de serenamente retirar-lhes o véu da injustiça que por vezes perturba o puro movimento dessas almas."
p. 43

"É estranho não mais desejos desejar... Estar morto é laborioso e cheio de recomeços, até que aos poucos nos apercebamos da eternidade. Mas todos os vivos cometem o erro de fazer distinções demasiado rígidas."
p. 43

Qualquer comentário será um atentado... continuemos...

"Seres desde o inicio felizes, excessos da Criação, cumeadas, cimos no alvorecer de tudo o Criado-, pólen da floração divina, elos de luz, cadências, escadarias, tronos, espaços de puro ser, escudos de deleite, tumultos de um deslumbrado sentir impetuoso e, de súbito, cada um é um espelho: e a sua beleza irreprimível de novo é recolhida no seu próprio rosto."
p. 47

Embriaguez contínua...

"Se o entendessem, os Amantes poderiam, na aragem nocturna, falar de estranhas coisas. Tudo parece ocultar-nos. Eis que as árvores são; as casas onde vivemos existem ainda. Apenas nós passamos por tudo numa troca de ar. E tudo unanimemente nos silencia, em parte por vergonha talvez e em parte por indizível esperança."
p. 49


"Bem sei, tocais-vos com tanta felicidade porque as carícias permanecem, porque não desaparece o lugar que com ternura cobris, porque debaixo pressentis a pura permanência. Assim, vos prometeis a quase eternidade do vosso abraço.
p. 51

"...os deuses é que nos comprimem com mais força. Mas é próprio dos deuses."
p. 51


"E assim lhe ocultaste muitas coisas; o quarto nocturnamente cheio de suspeitas, tornaste-lho inofensivo, e do teu coração repleto de refúgio tiraste um espaço mais humano, juntando-o ao seu espaço-noite. Não era no escuro, não, era no teu estar mais próxima que tu colocavas a luz e ela brilhava, como se de amizade brilhasse. Não havia rangido em parte alguma que não explicasses com um sorriso, como se há muito soubesses quando o sobrado assim reage... E ele escutava e serenava. De tanta coisa era capaz a tua terna presença ali, de pé; atrás do armário desaparecia o seu destino pelo casaco acima e nas pregas da cortina cabia o seu inquietante futuro que assim, com levaza se adiava.

E ele próprio, ali deitado, alguém sem preocupações, sob pálpebras sonolentas, dissolvendo no sabor do adormecer a doçura da tua suave figuração-: parecia estar protegido... Mas no seu interior: quem o defendia, quem poderia nela deter as vagas da origem? Ai, nenhum cuidado existia nesse que estava adormecido; a dormir, mas a sonhar e febril: assim se deixava levar. Como se encontrava preso, ele que era novo e retraído, nas gavinhas avassaladoras do íntimo acontecer já enleadas segundo moldes num crescimento sufocante, numa vertigem de formas animalescas. Como ele se entregava. Amava. Amava o seu íntimo, o ermo do seu íntimo..."
p. 56

"Sim, o espanto sorria... Raramente lhe sorriste com tanta ternura, ó Mãe. E como não havia ele de amar quem lhe sorria. Antes de ti, ele amou-o, pois, mesmo quando já em ti o trazias, estava diluído na água propícia a tudo o que germina."
p. 57

"Nós, porém, quando tendemos inteiramente para Uma coisa logo sentimos o excesso de outra. A inimizade é-nos próxima. Os próprios amantes que um ao outro se prometiam imensidão, coutada e pátria, não deparam constantemente com limites?
p. 61


"Recuso estas máscaras só meio preenchidas, prefiro um fantoche."
p. 63

" Espectador pode ser-se sempre."
p. 63

" Não terei eu razão? Tu, a quem a vida tão amargamente soube, ao provares, pai, a minha vida, repetidamente provando, a primeira turva infusão do meu dever, à medida que eu crescia, apreensivo pelo ressaibo de tão estranho futuro, examinavas o embaciado erguer do meu olhar-, meu pai, tu que, desde que estás morto, tantas vezes continuas a ter medo por dentro desta esperança, em mim, e que, por causa do destino que me cabe, renuncias à impassibilidade própria dos mortos, aos domínios da impassibilidade, não terei eu razão? Não terei eu razão, ó vós que me amáveis pelo começo ínfimo de amor por vós que eu sempre abandonava, porque ao amar o espaço, no vosso rosto, aquele passava a ser o espaço do universo..."
p. 65

"Olha, os moribundos, não haveriam eles de suspeitar que tudo o que aqui realizamos é pura justificação? Nada o é em si mesmo. Ó horas da infância, em que por detrás das figuras havia mais do que somente passado e em que o futuro não estava ainda à nossa frente. (...) no espaço intervalar entre o mundo e os brinquedos... Quem saberá mostrar uma criança, no seu estar? Quem a coloca entre os astros e lhe põe na mão a medida da distância? Quem molda a morte dessa criança, em pão escuro, que endurece-, ou lha deixa dentro da redondez da boca, como se fosse o interior de uma bela maçã?... Entendemos facilmente um assassino. Mas não isto: ela conter assim tão suavemente a morte, a morte por inteiro, ainda antes da vida, e não ser má, é indescritível."
p. 67

"Durar não o atrai. A ascensão é para ele existir;"
p. 79

"Não julgueis que o destino seja maior do que o devaneio da infância."
p. 85

"(...) mesmo quando a felicidade mais visível se nos dá apenas a conhecer, quando intimamente a transformamos. Em nenhum outro lugar, ó Amada, haverá mundo senão em nosso íntimo. A nossa vida esvai-se em transformação. E o que é o exterior, cada vez mais diminuto, desaparece."
p. 87

"No seio do destino, desse destruidor..."
p. 87

"A isto se chama destino: estar defronte, apenas e sempre defronte.
p. 93

"Mas porque estar aqui é muito, e porque tudo o que é daqui aparentemente precisa de nós, estas coisa efémeras, que estranhamente nos dizem respeito. A nós, os mais efémeros. Cada uma, uma vez, só uma vez. Uma vez, não mais. E nós também uma vez. E nunca mais. Mas o ter sido uma vez, mesmo uma só vez: o ter sido terreno, parece irrevogável."
p. 97


"Olha, eu vivo. De quê? Nem a infância nem o futuro passam a ser menos... Uma existência excessiva para mim jorra, no coração."

p. 103

"E nós, que pensamos na felicidade ascendente, sentiríamos essa emoção que quase nos confunde, quando uma coisa feliz cai."

p. 113

"E por fim viste-te a ti própria como um fruto, despojaste-te dos teus vestidos, levaste-te para diante do espelho, deixaste-te entrar até ao teu olhar; isto ficou grande, à tua frente, e não dizia: isto sou eu; não, antes: isto é."

p. 121

"Não podes. A força e a pressão das tuas lágrimas transformaste-as no teu maduro olhar..."

p. 125

"Ninguém foi mais além. A todo aquele que ergueu o seu sangue numa obra que se torna longa pode acontecer deixar de poder erguê-la e ela ser arrastada pelo seu próprio peso, sem valor. Pois algures existe uma antiga inimizade entre a vida e a grandeza da obra.

p. 135

"NÃO VOLTES. SE PUDERES SUPORTÁ-LO FICA MORTA ENTRE OS MORTOS. OS MORTOS ESTÃO OCUPADOS. PORÉM AJUDA-ME, DE MODO QUE ISSO NÃO TE DISTRAIA, COMO O MAIS LONGÍNQUO MUITAS VEZES ME AJUDA: DENTRO DE MIM."

p. 135
    


A Raiz

"Ninguém sabe se seu corpo é uma planta
que a terra fez para dar um nome ao desejo."
Lucien Becker

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Felicidade - Excertos...



"A «consciência infeliz», no sentido hegeliano, é a consciência que põe o seu centro fora de si mesma."
In M. Merleau-Ponty, p 115

"O domínio do imaginário é vago, enquanto o «percebido» é sempre estritamente limitado. O choque em presença do percebido é portanto inevitável, e a depressão daí decorrente é ainda maior quando precedida por uma vida imaginária intensa e por fantasias numerosas. Portanto, a depressão é também um fenómeno psicológico."
M. Merleau-Ponty, pp. 282/283

O embate é inevitável no sentido do crescimento, para Hegel a felicidade enquanto fenómeno intersubjectivo depende da consciência individual. Sendo que Ponty reforça que o contrário a esta, a «depressão» acresce com o percebido, no sentido coercitivo, e aumenta exponencialmente com a imaginação.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Minha luz

Meu anjo de cara fixa de cor dura, de sorriso inocente e terno, sem idade.
Minha força, minha vontade de viver, minha paz, lassidão, paixão, amor ardente, fixaste o meu coração, marcaste o meu peito.
Minha aurora de vida, selvajaria pura, tesouro desmembrado à luz do amor, que sente porque é sentido. Torrente de vida outrora, cataclismo de força presente! Que a tua luz se expanda e todas a possam ver, apenas eu sentir!
Sobrevivência pura em busca de felicidade eterna, dádiva de amor, sentada ao lado da violeta, mãos ardentes duras, frias e fortes, fracas, puras e quentes.
A marca transporta um sentimento forte, que se cala e se ouve, só eu sinto.
Perdoa-me, ilumina-te e caminha sempre, o invisível é o teu regaço a tua força, o meu coração a tua marca!
Que privilégio!
Angelo