quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Mudança de Paradigma - Henry Miller


"(...) O médico, por outro lado, é um tipo que, além de estar alerta aos mínimos sintomas de indisposição, instila em nós a sua predileção e obsessão por doenças que são autênticas hidras, que aumentam na medida em que ele, com tanto «êxito», as enfrenta. Pagamos um elevado preço pelos dúbios benefícios que os nossos «curandeiros» oficiais conferem. Pelo privilégio de sermos consertados por um especialista profissional, espera-se de nós que sacrifiquemos as recompensas de anos de trabalho. Àqueles que não podem dar-se ao luxo de serem retalhados por um magarefe especializado, resta-lhes morrerem ou curarem-se a si mesmos. O que há de curioso nestas dispendiosas revisões é que não nos é oferecida nenhuma garantia de imunidade (após o evento) contra outras, e muitas vezes piores, doenças. Na verdade, a coisa parece funcionar precisamente ao contrário. Quanto mais remendados somos, mais escangalhados ficamos. Podemos continuar a existir, mas apenas como cadáveres ambulantes.
Hoje, o médico, como outrora pensamos que ele era, está a tornar-se obsoleto. No seu lugar reina um curioso triunvirato: o especialista em diagnóstico, o técnico de laboratório e o farmacêutico. A sagrada família que distribui drogas milagrosas. O cirurgião está a ficar apenas com as sobras - suculentas sobras, devo dizer, visto ele continuar a ser extremamente próspero e estar sempre a ponto de beber até morrer."

Henry Miller p. 182/183

Jacques Lacan - Seminário I


(...) a relação sádica só se sustenta na medida em que o outro está no justo limite em que continua ainda sendo um sujeito. Se não é mais nada além de uma carne que reage, forma de molusco cujos bordos a gente titila e que palpita, não há mais relação sádica. O sujeito sádico parará aí, reencontrando de repente o vazio, hiância, oco. A relação sádica implica com efeito, que o consentimento do parceiro seja aprisionado - sua liberdade, sua confissão, sua humilhação.
J. Lacan - Seminário I p. 245

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Jacques Lacan - Seminário I


"Uma vez realizado o número de voltas necessárias para que os objetos do sujeito apareçam, e a sua história imaginária seja completada, uma vez que os desejos sucessivos, tensivos, suspensos, angustiantes do sujeito estejam nomeados e reintegrados, nem por isso tudo está acabado. O que esteva inicialmente lá, em O, depois aqui, em O', depois de novo em O, deve reportar-se no sistema completado dos símbolos. A saída mesma da análise o exige.
Onde deve parar esse reenvio? Será que deveríamos levar a intervenção analítica até diálogos fundamentais sobre a justiça e a coragem, na grande tradição dialética?
É uma questão. Não é fácil de resolver, porque, na verdade, o homem contemporâneo tornou-se singularmente inábil para abordar esses grandes temas. Prefere resolver as coisas em termos de conduta, de adaptação, de moral de grupo e outras banalidades. Donde a gravidade do problema que coloca a formação humana do analista.
Deixo-vos por aqui, hoje."