quarta-feira, 21 de outubro de 2015


Comparado com outros seres vivos, o homem é um Deus; é uma espécie de «deus mortal» - quasi mortalem deum. Cuja tarefa principal consiste, portanto, numa atividade que possa remediar essa mortalidade e assim fazê-lo mais como os deuses, os seus parentes mais próximos. A alternativa a isso é afundar-se até ao nível da vida animal. Os melhores escolhem uma coisa em lugar de tudo o resto; mas a maioria empanzina-se como gado.

Hannah Arendt, p. 152



quinta-feira, 27 de março de 2014

Paradoxo


(...) Quem salva está pronto a perder-se; quem resgata os outros é mister que pague com toda a sua pessoa, ou seja com o único valor que é verdadeiramente seu, o que ultrapassa e compreende todos os outros valores; quem ama os inimigos é justo que seja odiado pelos próprios amigos; (...) Cada benefício é uma tal ofensa feita à ingratidão dos homens que só pode ser punido com a pena máxima. (...) Na efémera memória do género humano só ficam as verdades escritas com sangue.
                                                                                
                                                                        Giovanni Papini, p. 237/238

terça-feira, 18 de março de 2014

Profeta


…O soldado que combate pela Terra terrestre precisa de ser feroz. Mas o que combate, dentro de si mesmo, para a conquista da nova Terra e do novo Céu, não deve abandonar-se à cólera, conselheira do mal, nem à crueldade, negação do amor.
Os mansos são os que suportam a vizinhança dos maus e a de si mesmos, às vezes mais ingrata ainda; que não se revoltam contra os maus e os vencem pela mansidão; que não se enraivecem às primeiras contrariedades e vencem o adversário interno com essa plácida obstinação que revela mais força de ânimo do que os furores estéreis e súbitos. São semelhantes à água que é suave ao tacto e cede lugar a tudo, mas que lentamente sobe, silenciosamente invade e tranquilamente consome, com milenária paciência, os mais duros rochedos.
                                                                                              Giovanni Papini p. 88

quarta-feira, 5 de março de 2014

A Solidão


A solidão é sofrimento; mas se não te isolares
Poderás estar em toda a parte num deserto.
                                   
                          Angelus Silesius, p. 55

terça-feira, 4 de março de 2014

Intolerância...


Os pais dos sujeitos "limites" encorajaram as fixações a uma relação estreitamente anaclítica: O plano aparente é securizante: «Se tu te mantens na minha órbita, não te acontecerá nada de mal»; mas o plano latente continua a ser bastante inquietante: «Não me deixes, senão vais correr grandes perigos.» Estes pais mostram-se em geral insaciáveis no plano narcísico: «Faz ainda mais, e amanhã receberás a tua recompensa pois eu só poderei amar-te mais.» Infelizmente «os amanhãs» maravilhosos nunca chegam...

                                                                                           Bergeret, J. p. 144

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Kierkegaard - A Repetição


"Por que razão nunca ninguém voltou de entre os mortos? Porque a vida não sabe cativar como a morte sabe; porque a vida não possui a mesma capacidade de persuasão que a morte. Sim, a morte persuade excelentemente; se não a contradissermos e a deixarmos falar, então convence imediatamente, de tal modo que nunca ninguém teve uma palavra para lhe objectar ou sentiu nostalgia da eloquência da vida..."
                                                                                                                                        p. 81

Angelus Silesius - A Rosa é sem porquê



A morte não existe


"Eu não acredito na morte. Morrendo a toda a hora,
Fui encontrando sempre uma vida melhor."
                                                                        p. 33

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Mudança de Paradigma - Henry Miller


"(...) O médico, por outro lado, é um tipo que, além de estar alerta aos mínimos sintomas de indisposição, instila em nós a sua predileção e obsessão por doenças que são autênticas hidras, que aumentam na medida em que ele, com tanto «êxito», as enfrenta. Pagamos um elevado preço pelos dúbios benefícios que os nossos «curandeiros» oficiais conferem. Pelo privilégio de sermos consertados por um especialista profissional, espera-se de nós que sacrifiquemos as recompensas de anos de trabalho. Àqueles que não podem dar-se ao luxo de serem retalhados por um magarefe especializado, resta-lhes morrerem ou curarem-se a si mesmos. O que há de curioso nestas dispendiosas revisões é que não nos é oferecida nenhuma garantia de imunidade (após o evento) contra outras, e muitas vezes piores, doenças. Na verdade, a coisa parece funcionar precisamente ao contrário. Quanto mais remendados somos, mais escangalhados ficamos. Podemos continuar a existir, mas apenas como cadáveres ambulantes.
Hoje, o médico, como outrora pensamos que ele era, está a tornar-se obsoleto. No seu lugar reina um curioso triunvirato: o especialista em diagnóstico, o técnico de laboratório e o farmacêutico. A sagrada família que distribui drogas milagrosas. O cirurgião está a ficar apenas com as sobras - suculentas sobras, devo dizer, visto ele continuar a ser extremamente próspero e estar sempre a ponto de beber até morrer."

Henry Miller p. 182/183

Jacques Lacan - Seminário I


(...) a relação sádica só se sustenta na medida em que o outro está no justo limite em que continua ainda sendo um sujeito. Se não é mais nada além de uma carne que reage, forma de molusco cujos bordos a gente titila e que palpita, não há mais relação sádica. O sujeito sádico parará aí, reencontrando de repente o vazio, hiância, oco. A relação sádica implica com efeito, que o consentimento do parceiro seja aprisionado - sua liberdade, sua confissão, sua humilhação.
J. Lacan - Seminário I p. 245

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Jacques Lacan - Seminário I


"Uma vez realizado o número de voltas necessárias para que os objetos do sujeito apareçam, e a sua história imaginária seja completada, uma vez que os desejos sucessivos, tensivos, suspensos, angustiantes do sujeito estejam nomeados e reintegrados, nem por isso tudo está acabado. O que esteva inicialmente lá, em O, depois aqui, em O', depois de novo em O, deve reportar-se no sistema completado dos símbolos. A saída mesma da análise o exige.
Onde deve parar esse reenvio? Será que deveríamos levar a intervenção analítica até diálogos fundamentais sobre a justiça e a coragem, na grande tradição dialética?
É uma questão. Não é fácil de resolver, porque, na verdade, o homem contemporâneo tornou-se singularmente inábil para abordar esses grandes temas. Prefere resolver as coisas em termos de conduta, de adaptação, de moral de grupo e outras banalidades. Donde a gravidade do problema que coloca a formação humana do analista.
Deixo-vos por aqui, hoje."