domingo, 29 de agosto de 2010

Rainer Maria Rilke - As Elegias de Duíno (...)


Atentem na expressão afectiva de todos estes excertos, é incomparável...

" Oh, e a noite, a noite, quando o vento, cheio do espaço do universo nos devora o rosto - , por quem não permaneceria ela, a desejada... Acaso não o sabias já? Lança de teus braços o vazio em direcção aos espaços que respiramos; talvez que as aves num voo mais intimo sintam o ar assim expandido."
p. 39

"E não será tempo de nós, os que amamos, nos libertarmos de quem amamos, como trémulos vencedores?
De sermos como a flecha que, vencendo o arco, se solta, toda ímpeto, passando a ser mais do que ela própria? Pois em nenhum lugar se permanece imóvel."
p. 41

"Que esperam todos eles de mim? Tenho de serenamente retirar-lhes o véu da injustiça que por vezes perturba o puro movimento dessas almas."
p. 43

"É estranho não mais desejos desejar... Estar morto é laborioso e cheio de recomeços, até que aos poucos nos apercebamos da eternidade. Mas todos os vivos cometem o erro de fazer distinções demasiado rígidas."
p. 43

Qualquer comentário será um atentado... continuemos...

"Seres desde o inicio felizes, excessos da Criação, cumeadas, cimos no alvorecer de tudo o Criado-, pólen da floração divina, elos de luz, cadências, escadarias, tronos, espaços de puro ser, escudos de deleite, tumultos de um deslumbrado sentir impetuoso e, de súbito, cada um é um espelho: e a sua beleza irreprimível de novo é recolhida no seu próprio rosto."
p. 47

Embriaguez contínua...

"Se o entendessem, os Amantes poderiam, na aragem nocturna, falar de estranhas coisas. Tudo parece ocultar-nos. Eis que as árvores são; as casas onde vivemos existem ainda. Apenas nós passamos por tudo numa troca de ar. E tudo unanimemente nos silencia, em parte por vergonha talvez e em parte por indizível esperança."
p. 49


"Bem sei, tocais-vos com tanta felicidade porque as carícias permanecem, porque não desaparece o lugar que com ternura cobris, porque debaixo pressentis a pura permanência. Assim, vos prometeis a quase eternidade do vosso abraço.
p. 51

"...os deuses é que nos comprimem com mais força. Mas é próprio dos deuses."
p. 51


"E assim lhe ocultaste muitas coisas; o quarto nocturnamente cheio de suspeitas, tornaste-lho inofensivo, e do teu coração repleto de refúgio tiraste um espaço mais humano, juntando-o ao seu espaço-noite. Não era no escuro, não, era no teu estar mais próxima que tu colocavas a luz e ela brilhava, como se de amizade brilhasse. Não havia rangido em parte alguma que não explicasses com um sorriso, como se há muito soubesses quando o sobrado assim reage... E ele escutava e serenava. De tanta coisa era capaz a tua terna presença ali, de pé; atrás do armário desaparecia o seu destino pelo casaco acima e nas pregas da cortina cabia o seu inquietante futuro que assim, com levaza se adiava.

E ele próprio, ali deitado, alguém sem preocupações, sob pálpebras sonolentas, dissolvendo no sabor do adormecer a doçura da tua suave figuração-: parecia estar protegido... Mas no seu interior: quem o defendia, quem poderia nela deter as vagas da origem? Ai, nenhum cuidado existia nesse que estava adormecido; a dormir, mas a sonhar e febril: assim se deixava levar. Como se encontrava preso, ele que era novo e retraído, nas gavinhas avassaladoras do íntimo acontecer já enleadas segundo moldes num crescimento sufocante, numa vertigem de formas animalescas. Como ele se entregava. Amava. Amava o seu íntimo, o ermo do seu íntimo..."
p. 56

"Sim, o espanto sorria... Raramente lhe sorriste com tanta ternura, ó Mãe. E como não havia ele de amar quem lhe sorria. Antes de ti, ele amou-o, pois, mesmo quando já em ti o trazias, estava diluído na água propícia a tudo o que germina."
p. 57

"Nós, porém, quando tendemos inteiramente para Uma coisa logo sentimos o excesso de outra. A inimizade é-nos próxima. Os próprios amantes que um ao outro se prometiam imensidão, coutada e pátria, não deparam constantemente com limites?
p. 61


"Recuso estas máscaras só meio preenchidas, prefiro um fantoche."
p. 63

" Espectador pode ser-se sempre."
p. 63

" Não terei eu razão? Tu, a quem a vida tão amargamente soube, ao provares, pai, a minha vida, repetidamente provando, a primeira turva infusão do meu dever, à medida que eu crescia, apreensivo pelo ressaibo de tão estranho futuro, examinavas o embaciado erguer do meu olhar-, meu pai, tu que, desde que estás morto, tantas vezes continuas a ter medo por dentro desta esperança, em mim, e que, por causa do destino que me cabe, renuncias à impassibilidade própria dos mortos, aos domínios da impassibilidade, não terei eu razão? Não terei eu razão, ó vós que me amáveis pelo começo ínfimo de amor por vós que eu sempre abandonava, porque ao amar o espaço, no vosso rosto, aquele passava a ser o espaço do universo..."
p. 65

"Olha, os moribundos, não haveriam eles de suspeitar que tudo o que aqui realizamos é pura justificação? Nada o é em si mesmo. Ó horas da infância, em que por detrás das figuras havia mais do que somente passado e em que o futuro não estava ainda à nossa frente. (...) no espaço intervalar entre o mundo e os brinquedos... Quem saberá mostrar uma criança, no seu estar? Quem a coloca entre os astros e lhe põe na mão a medida da distância? Quem molda a morte dessa criança, em pão escuro, que endurece-, ou lha deixa dentro da redondez da boca, como se fosse o interior de uma bela maçã?... Entendemos facilmente um assassino. Mas não isto: ela conter assim tão suavemente a morte, a morte por inteiro, ainda antes da vida, e não ser má, é indescritível."
p. 67

"Durar não o atrai. A ascensão é para ele existir;"
p. 79

"Não julgueis que o destino seja maior do que o devaneio da infância."
p. 85

"(...) mesmo quando a felicidade mais visível se nos dá apenas a conhecer, quando intimamente a transformamos. Em nenhum outro lugar, ó Amada, haverá mundo senão em nosso íntimo. A nossa vida esvai-se em transformação. E o que é o exterior, cada vez mais diminuto, desaparece."
p. 87

"No seio do destino, desse destruidor..."
p. 87

"A isto se chama destino: estar defronte, apenas e sempre defronte.
p. 93

"Mas porque estar aqui é muito, e porque tudo o que é daqui aparentemente precisa de nós, estas coisa efémeras, que estranhamente nos dizem respeito. A nós, os mais efémeros. Cada uma, uma vez, só uma vez. Uma vez, não mais. E nós também uma vez. E nunca mais. Mas o ter sido uma vez, mesmo uma só vez: o ter sido terreno, parece irrevogável."
p. 97


"Olha, eu vivo. De quê? Nem a infância nem o futuro passam a ser menos... Uma existência excessiva para mim jorra, no coração."

p. 103

"E nós, que pensamos na felicidade ascendente, sentiríamos essa emoção que quase nos confunde, quando uma coisa feliz cai."

p. 113

"E por fim viste-te a ti própria como um fruto, despojaste-te dos teus vestidos, levaste-te para diante do espelho, deixaste-te entrar até ao teu olhar; isto ficou grande, à tua frente, e não dizia: isto sou eu; não, antes: isto é."

p. 121

"Não podes. A força e a pressão das tuas lágrimas transformaste-as no teu maduro olhar..."

p. 125

"Ninguém foi mais além. A todo aquele que ergueu o seu sangue numa obra que se torna longa pode acontecer deixar de poder erguê-la e ela ser arrastada pelo seu próprio peso, sem valor. Pois algures existe uma antiga inimizade entre a vida e a grandeza da obra.

p. 135

"NÃO VOLTES. SE PUDERES SUPORTÁ-LO FICA MORTA ENTRE OS MORTOS. OS MORTOS ESTÃO OCUPADOS. PORÉM AJUDA-ME, DE MODO QUE ISSO NÃO TE DISTRAIA, COMO O MAIS LONGÍNQUO MUITAS VEZES ME AJUDA: DENTRO DE MIM."

p. 135
    


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