terça-feira, 31 de agosto de 2010

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Rock - escolha do Luís

Blues... A pureza...

Construção

O avanço na qualidade só acontece com base na inteligência, com produção intelectual conjunta. O ser pensante consegue o genuíno, o verdadeiro e o puro se conseguir, se tentar, se se esforçar por vilipendiar, arredar da sua consciência os conceitos primários que estão enviesados desde a primeira infância, a comparação, o orgulho, o amor-próprio, a inveja – todos estes conceitos que toldam a visão, não deixam ver claro, não deixam construir – no lugar da construção que deveria existir, temos apenas ruínas, tijolos que se vão amontoando criando apenas uma habitação temporária que a qualquer momento desaba provocando alguns mortos e feridos!
           
Quando se constrói na base da certeza e da consciência, do intelecto e não nos deixamos levar pelos conceitos que referi acima, a obra nasce sustentada, alicerçada com a certeza porém de que no futuro, todos os outros estarão também seguros e prontos para outros tipos de acção que permitem a construção do prédio, para ver mais longe, mais alto e à frente de todos os outros. Isto é o futuro, isto é o trabalho e isto é o avanço. Tudo o que entrava esta dinâmica deverá nascer noutro terreno, que não é o nosso, onde as ervas daninhas inibem o crescimento floreado, bonito e integrado, que rodeará o prédio em construção!

Vivam os homens com visão periférica, vivam os homens que olham para os outros claramente, vivam os homens que se preocupam com os outros, vivam, enfim, os homens naturais! Os que nascem sem a sombra, e nos quais o sol se deixa pousar!

Vivam os homens que lutam, vivam os homens que criticam, vivam os homens que são HOMENS!

Ângelo

Cito:

“Um rabino, um verdadeiro cabalista, disse um dia: para instaurar o reino da paz não é necessário destruir tudo e dar inicio a um mundo completamente novo; basta apenas deslocar ligeiramente esta taça ou este arbusto ou aquela pedra, e proceder assim em relação a todas as coisas(…)”
                                              
                                                                       In Agamben, G. (1990). Comunidade que vem

Os dias estão a passar, sempre passam e, com eles nós... é uma busca constante de intensidade de sentimento, aquele que nos prende à terra, que nos lança às mãos da profusão do amor... sentidos não partilhados, num emaranhado que inibe a descrição, é só uma anunciação particular... esses pensamentos voláteis integram outro ser, esse ser metade que completa, identifica e representa a unicidade maior que é o mundo, que é o amor que a todos une sem saberem... principal por ser primeiro e criador complexifica as ligações, por mais amadas que sejam, são elas a prova empírica do amor sentido, que totaliza a carne, volatiliza o espírito e sacrifica-o no sentido do sagrado... vivenciado no presente, no espaço e no tempo que é o nosso, eterniza-se e prende as amarras no todo... o sonho!!!

O sonho fere, pela leveza, intensidade onírica que não é vigilante... o salto ao imaginado, devaneado intenso, veemente, que quer, porque quer... as visões fluidificantes, passíveis de libertar impressões não vividas, activas no entanto, hiperestesias, lembranças, recordações... alcança-las, eis o vislumbre...

O monte, epicurista, alto, sôfrego,  câmara de retorno... pacífico, selvagem, rude, macio, verde, azul do céu e da água... calor suado, tempo e espaços fugidios, de tão sublimes... faltava inocência audaciosa, completou-se depois... espírito, espírito, por onde vogas, baixa-te, arrasa e rasa a terra, sublima-nos!

Ângelo

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Ciúme

"Ciumento é alguém que gostaria de ser aquele que ele contempla: ele tem o sentimento de frustração. Segundo Guillaume, o ciúme apareceria com sete meses (idade); segundo Wallon, com nove. Mais tarde, o ciúme se manifestará por birras: a criança desiste do que gostaria de ser e aceita a angústia de uma acção reprimida. O ciúme é essencialmente confusão de si com outrem.
O fenómeno da crueldade está ligado ao ciúme; o que o outro é, é em detrimento do ciumento, que procura fazer o outro sofrer. Mas a crueldade supõe uma simpatia pelo outro, que é considerado outro si-mesmo. A crueldade é uma «simpatia sofredora» (Wallon). O mal que faço a outrem faço a mim mesmo. Gostar de fazer mal a outrem é gostar de se fazer mal: em todo o sadismo há masoquismo (ideia pouco diferente da noção de sadomasoquismo  de Freud). O ciumento gosta de se fazer sofrer e sente uma espécie de prazer que visa aumentar a sua paixão sexual.
Todas estas concepções de Wallon concordam com as da psicanálise. Para esta, em toda a conduta ciumenta existe um elemento de homossexualidade. Para Wallon, o ciumento assume as atitudes que um terceiro tem para com outra pessoa. A psicanálise insiste no carácter contemplativo do ciumento, que está capturado, cativado, e gostaria de capturar, cativar. O ciumento desempenha em espírito todos os papéis da situação na qual se encontra."

M. Merleau-Ponty, p. 318

É complicado ser ciumento, porque há tantos???...

domingo, 29 de agosto de 2010

Rainer Maria Rilke - As Elegias de Duíno (...)


Atentem na expressão afectiva de todos estes excertos, é incomparável...

" Oh, e a noite, a noite, quando o vento, cheio do espaço do universo nos devora o rosto - , por quem não permaneceria ela, a desejada... Acaso não o sabias já? Lança de teus braços o vazio em direcção aos espaços que respiramos; talvez que as aves num voo mais intimo sintam o ar assim expandido."
p. 39

"E não será tempo de nós, os que amamos, nos libertarmos de quem amamos, como trémulos vencedores?
De sermos como a flecha que, vencendo o arco, se solta, toda ímpeto, passando a ser mais do que ela própria? Pois em nenhum lugar se permanece imóvel."
p. 41

"Que esperam todos eles de mim? Tenho de serenamente retirar-lhes o véu da injustiça que por vezes perturba o puro movimento dessas almas."
p. 43

"É estranho não mais desejos desejar... Estar morto é laborioso e cheio de recomeços, até que aos poucos nos apercebamos da eternidade. Mas todos os vivos cometem o erro de fazer distinções demasiado rígidas."
p. 43

Qualquer comentário será um atentado... continuemos...

"Seres desde o inicio felizes, excessos da Criação, cumeadas, cimos no alvorecer de tudo o Criado-, pólen da floração divina, elos de luz, cadências, escadarias, tronos, espaços de puro ser, escudos de deleite, tumultos de um deslumbrado sentir impetuoso e, de súbito, cada um é um espelho: e a sua beleza irreprimível de novo é recolhida no seu próprio rosto."
p. 47

Embriaguez contínua...

"Se o entendessem, os Amantes poderiam, na aragem nocturna, falar de estranhas coisas. Tudo parece ocultar-nos. Eis que as árvores são; as casas onde vivemos existem ainda. Apenas nós passamos por tudo numa troca de ar. E tudo unanimemente nos silencia, em parte por vergonha talvez e em parte por indizível esperança."
p. 49


"Bem sei, tocais-vos com tanta felicidade porque as carícias permanecem, porque não desaparece o lugar que com ternura cobris, porque debaixo pressentis a pura permanência. Assim, vos prometeis a quase eternidade do vosso abraço.
p. 51

"...os deuses é que nos comprimem com mais força. Mas é próprio dos deuses."
p. 51


"E assim lhe ocultaste muitas coisas; o quarto nocturnamente cheio de suspeitas, tornaste-lho inofensivo, e do teu coração repleto de refúgio tiraste um espaço mais humano, juntando-o ao seu espaço-noite. Não era no escuro, não, era no teu estar mais próxima que tu colocavas a luz e ela brilhava, como se de amizade brilhasse. Não havia rangido em parte alguma que não explicasses com um sorriso, como se há muito soubesses quando o sobrado assim reage... E ele escutava e serenava. De tanta coisa era capaz a tua terna presença ali, de pé; atrás do armário desaparecia o seu destino pelo casaco acima e nas pregas da cortina cabia o seu inquietante futuro que assim, com levaza se adiava.

E ele próprio, ali deitado, alguém sem preocupações, sob pálpebras sonolentas, dissolvendo no sabor do adormecer a doçura da tua suave figuração-: parecia estar protegido... Mas no seu interior: quem o defendia, quem poderia nela deter as vagas da origem? Ai, nenhum cuidado existia nesse que estava adormecido; a dormir, mas a sonhar e febril: assim se deixava levar. Como se encontrava preso, ele que era novo e retraído, nas gavinhas avassaladoras do íntimo acontecer já enleadas segundo moldes num crescimento sufocante, numa vertigem de formas animalescas. Como ele se entregava. Amava. Amava o seu íntimo, o ermo do seu íntimo..."
p. 56

"Sim, o espanto sorria... Raramente lhe sorriste com tanta ternura, ó Mãe. E como não havia ele de amar quem lhe sorria. Antes de ti, ele amou-o, pois, mesmo quando já em ti o trazias, estava diluído na água propícia a tudo o que germina."
p. 57

"Nós, porém, quando tendemos inteiramente para Uma coisa logo sentimos o excesso de outra. A inimizade é-nos próxima. Os próprios amantes que um ao outro se prometiam imensidão, coutada e pátria, não deparam constantemente com limites?
p. 61


"Recuso estas máscaras só meio preenchidas, prefiro um fantoche."
p. 63

" Espectador pode ser-se sempre."
p. 63

" Não terei eu razão? Tu, a quem a vida tão amargamente soube, ao provares, pai, a minha vida, repetidamente provando, a primeira turva infusão do meu dever, à medida que eu crescia, apreensivo pelo ressaibo de tão estranho futuro, examinavas o embaciado erguer do meu olhar-, meu pai, tu que, desde que estás morto, tantas vezes continuas a ter medo por dentro desta esperança, em mim, e que, por causa do destino que me cabe, renuncias à impassibilidade própria dos mortos, aos domínios da impassibilidade, não terei eu razão? Não terei eu razão, ó vós que me amáveis pelo começo ínfimo de amor por vós que eu sempre abandonava, porque ao amar o espaço, no vosso rosto, aquele passava a ser o espaço do universo..."
p. 65

"Olha, os moribundos, não haveriam eles de suspeitar que tudo o que aqui realizamos é pura justificação? Nada o é em si mesmo. Ó horas da infância, em que por detrás das figuras havia mais do que somente passado e em que o futuro não estava ainda à nossa frente. (...) no espaço intervalar entre o mundo e os brinquedos... Quem saberá mostrar uma criança, no seu estar? Quem a coloca entre os astros e lhe põe na mão a medida da distância? Quem molda a morte dessa criança, em pão escuro, que endurece-, ou lha deixa dentro da redondez da boca, como se fosse o interior de uma bela maçã?... Entendemos facilmente um assassino. Mas não isto: ela conter assim tão suavemente a morte, a morte por inteiro, ainda antes da vida, e não ser má, é indescritível."
p. 67

"Durar não o atrai. A ascensão é para ele existir;"
p. 79

"Não julgueis que o destino seja maior do que o devaneio da infância."
p. 85

"(...) mesmo quando a felicidade mais visível se nos dá apenas a conhecer, quando intimamente a transformamos. Em nenhum outro lugar, ó Amada, haverá mundo senão em nosso íntimo. A nossa vida esvai-se em transformação. E o que é o exterior, cada vez mais diminuto, desaparece."
p. 87

"No seio do destino, desse destruidor..."
p. 87

"A isto se chama destino: estar defronte, apenas e sempre defronte.
p. 93

"Mas porque estar aqui é muito, e porque tudo o que é daqui aparentemente precisa de nós, estas coisa efémeras, que estranhamente nos dizem respeito. A nós, os mais efémeros. Cada uma, uma vez, só uma vez. Uma vez, não mais. E nós também uma vez. E nunca mais. Mas o ter sido uma vez, mesmo uma só vez: o ter sido terreno, parece irrevogável."
p. 97


"Olha, eu vivo. De quê? Nem a infância nem o futuro passam a ser menos... Uma existência excessiva para mim jorra, no coração."

p. 103

"E nós, que pensamos na felicidade ascendente, sentiríamos essa emoção que quase nos confunde, quando uma coisa feliz cai."

p. 113

"E por fim viste-te a ti própria como um fruto, despojaste-te dos teus vestidos, levaste-te para diante do espelho, deixaste-te entrar até ao teu olhar; isto ficou grande, à tua frente, e não dizia: isto sou eu; não, antes: isto é."

p. 121

"Não podes. A força e a pressão das tuas lágrimas transformaste-as no teu maduro olhar..."

p. 125

"Ninguém foi mais além. A todo aquele que ergueu o seu sangue numa obra que se torna longa pode acontecer deixar de poder erguê-la e ela ser arrastada pelo seu próprio peso, sem valor. Pois algures existe uma antiga inimizade entre a vida e a grandeza da obra.

p. 135

"NÃO VOLTES. SE PUDERES SUPORTÁ-LO FICA MORTA ENTRE OS MORTOS. OS MORTOS ESTÃO OCUPADOS. PORÉM AJUDA-ME, DE MODO QUE ISSO NÃO TE DISTRAIA, COMO O MAIS LONGÍNQUO MUITAS VEZES ME AJUDA: DENTRO DE MIM."

p. 135
    


A Raiz

"Ninguém sabe se seu corpo é uma planta
que a terra fez para dar um nome ao desejo."
Lucien Becker

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Felicidade - Excertos...



"A «consciência infeliz», no sentido hegeliano, é a consciência que põe o seu centro fora de si mesma."
In M. Merleau-Ponty, p 115

"O domínio do imaginário é vago, enquanto o «percebido» é sempre estritamente limitado. O choque em presença do percebido é portanto inevitável, e a depressão daí decorrente é ainda maior quando precedida por uma vida imaginária intensa e por fantasias numerosas. Portanto, a depressão é também um fenómeno psicológico."
M. Merleau-Ponty, pp. 282/283

O embate é inevitável no sentido do crescimento, para Hegel a felicidade enquanto fenómeno intersubjectivo depende da consciência individual. Sendo que Ponty reforça que o contrário a esta, a «depressão» acresce com o percebido, no sentido coercitivo, e aumenta exponencialmente com a imaginação.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Minha luz

Meu anjo de cara fixa de cor dura, de sorriso inocente e terno, sem idade.
Minha força, minha vontade de viver, minha paz, lassidão, paixão, amor ardente, fixaste o meu coração, marcaste o meu peito.
Minha aurora de vida, selvajaria pura, tesouro desmembrado à luz do amor, que sente porque é sentido. Torrente de vida outrora, cataclismo de força presente! Que a tua luz se expanda e todas a possam ver, apenas eu sentir!
Sobrevivência pura em busca de felicidade eterna, dádiva de amor, sentada ao lado da violeta, mãos ardentes duras, frias e fortes, fracas, puras e quentes.
A marca transporta um sentimento forte, que se cala e se ouve, só eu sinto.
Perdoa-me, ilumina-te e caminha sempre, o invisível é o teu regaço a tua força, o meu coração a tua marca!
Que privilégio!
Angelo

Marcel Proust - O lado de Guermantes... Proust reforça... muito...

" (…) é que a influência que se atribui ao meio é sobretudo verdadeira no mundo intelectual. Cada um é o homem da sua ideia; há muito menos ideias que homens, e assim todos os homens da mesma ideia são semelhantes. Como uma ideia nada tem de material, os homens que só materialmente rodeiam o homem de uma ideia em nada o modificam."
p. 105

"Já se disse que o silêncio era uma força; num sentido completamente diferente, ele é uma força, e terrível, à disposição daqueles que são amados. Uma força que aumenta a ansiedade de quem espera. Nada convida tanto alguém a aproximar-se de um ser como o que dele o separa, e que barreira existe mais intransponível que o silêncio? Já se disse também que o silêncio era um suplício, e capaz de enlouquecer aquele que nas prisões a ele estava obrigado. Mas que suplício – maior que o de guardar silêncio – é o de sofrer o silêncio de quem se ama! …De resto, mais cruel que o das prisões, tal silêncio é ele mesmo uma prisão. Uma clausura imaterial, sem dúvida, mas impenetrável, aquela fatia interposta de atmosfera vazia, mas que os raios visuais do abandonado não podem atravessar. Haverá luz mais terrível que o silêncio, que não nos mostra uma ausente, mas mil, e cada uma delas entregando-se a alguma outra traição?" 
p. 122

"Mas essas diferenças relativamente à nossa natureza, é ainda a nossa natureza a imaginá-las; tais dificuldades, somos nós que as levantamos; essas eficazes motivações, somos nós que as doseamos. E quando queremos que a outra pessoa execute na vida os movimentos que no nosso espírito lhe fizemos repetir, e que a põem a actuar segundo a nossa vontade, então tudo muda, esbarramos em resistências imprevistas que podem ser invencíveis. Uma das mais fortes é sem dúvida a repugnância insuperável e fétida que o homem que ama uma mulher que não o ama pode desenvolver nela..."
p. 142

«Que interessa o frasco, se nos der a embriaguez!» 
p. 229

"Apesar disso, devemos lembrar-nos de que a opinião que temos uns dos outros, as relações de amizade, de família, nada têm de fixo, a não ser na aparência, antes são eternamente móveis como o mar. Daí que se fale tanto de divórcio entre esposos que pareciam tão perfeitamente unidos e que, pouco depois, falam com ternura um do outro; de tantas infâmias ditas de por um amigo acerca de um amigo de quem o julgamos inseparável e com quem o iremos encontrar reconciliado antes de termos tempo de nos refazer da surpresa; de tantas alianças entre os povos desfeitas em tão pouco tempo." 
p. 270

"Mesmo nas querelas entre um homem bom e uma mulher má, e quando a razão está toda de um lado, acontece sempre que há uma ninharia qualquer que pode conferir à mulher a aparência de não estar errada num ponto. E como a mulher põe de lado todos os outros pontos, basta que o homem precise dela e esteja desmoralizado pela separação para que o seu enfraquecimento o torne escrupuloso, para se recordar das censuras absurdas que lhe foram feitas e perguntar a si mesmo se não terão algum fundamento."
p. 279

"O senhor conhece a história daquele homem que julgava ter numa garrafa a princesa da China. Era uma loucura. Curaram-no dela. Mas, mal deixou de estar louco, ficou estúpido. Há males de que se não deve procurar curar ninguém, porque são os únicos que nos protegem de outros mais graves. Um primo meu tinha uma doença de estômago, não era capaz de digerir nada. Os mais sábios especialistas de estômago trataram-no sem resultado. Levei-o a um certo médico (além disso, uma criatura bem curiosa, diga-se entre parênteses, e sobre quem haveria muito a dizer). Este adivinhou imediatamente que a doença era nervosa, convenceu o doente, ordenou-lhe que comesse o que quisesse sem receio e que foi sempre bem tolerado. Mas o meu primo tinha também uma nefrite. O que o estômago digeriu perfeitamente, acabou o rim por deixar de poder eliminar, e o meu primo, em lugar de viver até velho com uma doença de estômago imaginária que o obrigava a seguir uma dieta, morreu aos quarenta anos, com o estômago curado mas com o rim perdido."
p. 292


" (...) - Mas também tenho um pouco de albumina.
- Não devia saber isso. A senhora tem aquilo que eu descobri sob o nome de albumina mental. Todos nós tivemos, durante uma indisposição, a nossa crisezinha de albumina, que o nosso médico se apressou a tornar duradoura quando no-la revelou. Por cada enfermidade que os médicos curam com medicamentos (diz-se, pelo menos, que isso aconteceu algumas vezes), provocam outras dez em pacientes de boa saúde inoculando-lhes esse agente patogénico, mil vezes mais virulento que todos os micróbios, que é a ideia de que se está doente. Tal crença, com grande poder sobre o temperamento de toda a gente, actua com uma eficácia especial nos nervosos. Diga-lhes que está aberta uma janela fechada atrás das suas costas e começam a espirrar; faça-os julgar que lhes deitou magnésia na sopa, e ficarão cheios de cólicas; que o café era mais forte que de costume, e não pregarão olho toda a noite."
p. 304

"Visitei ontem uma casa de saúde para neurasténicos. No jardim, estava um homem de pé em cima de um banco, imóvel como um faquir, de pescoço inclinado numa posição que devia ser muito penosa. Quando lhe perguntei que estava ele ali a fazer, respondeu-me sem esboçar qualquer movimento nem virar a cabeça: «Doutor, eu sou extremamente atreito a reumatismos e a constipações, acabo de fazer muito exercício e, enquanto estava assim a aquecer estupidamente, tinha o pescoço encostado às minhas flanelas. Se me afastasse agora dessas flanelas antes de deixar passar o calor, tenho a certeza de que apanharia um torcicolo, e talvez uma bronquite.» E efectivamente apanhava. «Você é um belo neurasténico, é o que você é» disse-lhe eu. Sabe a senhora a razão que ele me deu para me provar que não? É que, enquanto todos os doentes do estabelecimento tinham a mania de se pesar, ao ponto de terem tido que colocar um cadeado na balança para que não se passassem todo o dia a pesar-se, a ele tinham de o obrigar a subir para a balança, tão pouco lhe apetecia fazê-lo. Exultava por não ter a mania dos outros, sem pensar que também tinha a dele, e que essa é que o defendia de outra qualquer. Não fique melindrada com a comparação, minha senhora, porque aquele homem que não se atrevia a virar o pescoço com medo de se constipar é o maior poeta do nosso tempo. Aquele pobre maníaco é a mais alta inteligência que conheço. Aceite que lhe chamem uma nervosa. A senhora pertence a essa família magnífica e lamentável que é o sal da terra. Tudo o que conhecemos de grande vem-nos dos nervosos. Foram eles e não outros que fundaram as religiões e compuseram as obras-primas. Nunca o mundo virá a saber tudo o que lhes deve e, sobretudo, o que eles sofreram para lho dar. Nós apreciamos a músicas puras, os quadros belos, mil delicadezas, mas não sabemos o que elas custaram aos que as inventaram, em insónias, em lágrimas, em gargalhadas espasmódicas, em urticárias, em asmas, em epilepsias, numa angústia de morte que é pior que tudo isso e da qual, minha senhora, talvez tenha conhecimento – acrescentou ele sorrindo para a minha avó -, porque, confesse, quando eu cheguei não estava muito tranquila. Julgava-se doente, talvez perigosamente doente. Deus sabe que enfermidade acreditava descobrir sintomas em si. E não estava enganada, tinha-os. O nervosismo é um imitador de génio. Não há doença que ele não falsifique maravilhosamente. Ele imita sem tirar nem pôr a dilatação dos dispépticos, os enjoos da gravidez, a arritmia do cardíaco, a febre do tuberculoso. Capaz de enganar o médico, como é que não havia de enganar o doente?..." 
p. 307

"Não, não tenho nada contra a sua energia nervosa. A ela, só lhe peço que me escute; é a ela que a confio. Ela que faça marcha-atrás. A força que exercia para a impedir de passear, de se alimentar suficientemente, que a use para a obrigar a comer, para a obrigar a ler, para a obrigar a sair, para se distrair de todas as maneiras. Não me diga que está fatigada. A fadiga é a realização orgânica de uma ideia preconcebida. Comece por não a pensar. E se alguma vez tiver uma pequena indisposição, o que pode acontecer a toda a gente, será como se não a tivesse, porque ela terá feito de si, um são imaginário." 
p. 308

"Os tolos julgam que as grandes dimensões dos fenómenos sociais são uma excelente ocasião para penetrar mais fundo na alma humana; mas deviam, pelo contrário, compreender que descendo em profundidade numa individualidade é que teriam a possibilidade de compreender esses fenómenos."
p.334

"Mandaram-me enxugar os olhos antes de ir beijar a avó… Quando os meus lábios lhe tocaram, as mãos dela agitaram-se, foi inteiramente percorrida por um longo arrepio, talvez por reflexo, talvez porque certos afectos têm a sua hiperestesia que reconhece aquilo que ama através do véu da inconsciência quase sem precisar dos sentidos para isso." 
p. 348

"Vive totalmente com a mulher e já nada verás do que te levou a amá-la; mas é certo que aos dois elementos desunidos, pode o ciúme juntá-los de novo." 
p. 356

"É por isso que as mulheres um pouco difíceis, que não possuímos logo, que nem sequer sabemos imediatamente se alguma vez poderemos possuir, são as únicas interessantes. Porque conhecê-las, abordá-las, conquistá-las, é fazer variar de forma, de grandeza, de relevo, a imagem humana, é uma lição de relativismo na apreciação de uma mulher que é belo tornar a ver depois de ela retomar a sua delicadeza de perfil no cenário da vida." 
p. 367

"É que, em geral, quanto mais curto é o tempo que nos separa daquilo a que nos propomos, mais longo nos parece, porque lhe aplicamos medidas mais breves ou simplesmente porque pensamos em medi-lo." 
p. 387

Excitantes...

" (...) quando dois excitantes estão em concorrência, é, diz ele (Sherrington), o excitante doloroso que inibe o outro."
In M. Merleau-Ponty, p. 17

Evitem-no, portanto, ou transformem-no em prazer... é na base da percepção e do sentimento, que o acompanha, que a transformação ocorre. 

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Futebol...

"O campo de futebol não é, para o jogador em acção, um «objecto», ou seja, a palavra ideal que pode dar lugar a uma multiplicidade indefinida de vistas perspectivas e permanecer equivalente sob essas transformações aparentes. É percorrido por linhas de força (...), articulado em sectores que impõem certo modo de acção, a desencadeiam e exigem como à revelia do jogador. O campo não lhe é dado, mas está presente para ele como o termo imanente das suas intenções práticas; ele e o jogador são um só corpo e o jogador sente, por exemplo, a direcção do golo tão imediatamente quanto a vertical e a horizontal do seu próprio corpo. Não bastaria dizer que a consciência habita esse meio. Ela nada mais é, nesse momento, que a dialéctica do meio em acção. Cada manobra realizada pelo jogador modifica o aspecto do campo e nele traça novas linhas de força nas quais a acção, por sua vez, se desenrola e se realiza alterando de novo o campo fenoménico."
M. Merleau-Ponty, p. 263

Por tudo isto é que cansa e só o FCPORTO joga bem!

Postado no http://jogabempoenochao.blogspot.com do meu bom amigo João, por mim:


"Joga bem põe no chão"… pelo ar é mais directo, porquê pelo chão? É mais trabalhado, a certeza acresce, a segurança ascende, ou será que para voar está o medo de aterrar? A dominação enquanto factor securizante depende das nossas competências psicomotoras – estas deixam-nos apenas o terreno, a matéria, como base das nossas intenções e das nossas certezas, o etéreo, o ar que não se agarra foge-nos das mãos (neste caso dos pés).

No nosso manancial corpóreo o ar é apenas um sonho, sonhos que nos fazem temer (sonhamos que estamos a cair no vazio…) e vibrar (sonhamos que voamos, livres…).


Por outro lado, a técnica ou a táctica aérea não se pode desenhar, como esquematizar no vazio, como planear? As linhas fogem-nos, os sectores esfumam-se, perdemos o controlo. O controlo é o factor decisivo – quando não se controla dizemos “isto é futebol, o futebol é assim…” claro que é, é um controlo descontrolado, é uma ordem no caos, daí todos os jogos serem diferentes, ainda que parecidos, as combinações e movimentações são inumeráveis – lembro aqui Proudhon, sob o comando de Bonaparte, que dizia aquando do planeamento das batalhas, das frentes de combate, “Caro Bonaparte, a fecundidade do inesperado é grandemente superior à prudência do estadista”, traduzindo, a melhor táctica, os melhores processos também, podem levar ao êxito, à excelência, à vitória, mas também não.

Quando na afirmação veemente “joga bem põe no chão” não encontramos saída, o ar é a solução, “chuta para a frente, mete lá, põe em cima”, rápido como se não houvesse amanhã, porque o êxito deriva daqui e já não na ordem inicial. Na desordem reina muitas das vezes a solução, tal é a importância da paixão que segundo dizem, cega a razão, mas é capaz de resultados extraordinários, ainda que ambivalentes.

Eu diria, também, “joga bem põe no chão”, mas não é definitivamente a solução, precisamos de ilusão!"

Nudez

"Somente os homens percebem que estão nus."

M. Merleau-Ponty, p. 271

E olham demasiado para nós - assim parece! Dá receio...

"(...) um rosto é um centro de expressão humana, o invólucro transparente das atitudes e dos desejos do outro, o lugar do aparecimento, o ponto de apoio quase imaterial de uma multiplicidade de intenções."

M. Merleau-Ponty, p. 260

Olhem bem para vocês! Aí estão os outros!

Definição de Educação





EDUCAÇÃO

s. f.

1. Conjunto de normas pedagógicas tendentes ao desenvolvimento geral do corpo e do espírito.

2. Conhecimento e prática dos usos da gente fina.

3. Instrução, polidez, cortesia.



Como vêem devemos desenvolver o corpo e o espírito, um dia um, outro dia o outro, somos "bipolares" dizem eles - tanto tempo a criticar Descartes, para quê?... gente fina é de facto outra coisa... quanto à polidez e à cortesia, diria porque não também o contrário...como respondemos à má educação – com boa? Por vezes são precisas garras, diz-nos o Nietzsche.

Definição de Interoceptivo

adj. (fr. intéroceptif; ing. interoceptive). Diz-se da sensibilidade às variações que se produzem no interior do corpo (sensibilidade profunda), dos receptores e das vias que se lhes referem (interocepção).

É, é aqui que tudo começa... não se iludam! Não culpem, aprendam a não julgar!

Amor


One whose love is guided by wisdom possesses the charity of the wise!

Love is the pleasure one takes in the happiness and perfection of others!


Aquele cujo amor é guiado pela sabedoria, possui e caridade dos sábios!
O amor é o prazer que obtemos com a felicidade e a perfeição dos outros!

Leibniz

O segredo está contido na palavra Amor...

Leibniz remete-nos para o outro, para a capacidade de subjectivar e autonomizar a nossa personalidade - tudo começa em nós e termina no outro, para voltar a nós!

Tat Twam Asi - Isto és tu!