quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Marcel Proust - O lado de Guermantes... Proust reforça... muito...

" (…) é que a influência que se atribui ao meio é sobretudo verdadeira no mundo intelectual. Cada um é o homem da sua ideia; há muito menos ideias que homens, e assim todos os homens da mesma ideia são semelhantes. Como uma ideia nada tem de material, os homens que só materialmente rodeiam o homem de uma ideia em nada o modificam."
p. 105

"Já se disse que o silêncio era uma força; num sentido completamente diferente, ele é uma força, e terrível, à disposição daqueles que são amados. Uma força que aumenta a ansiedade de quem espera. Nada convida tanto alguém a aproximar-se de um ser como o que dele o separa, e que barreira existe mais intransponível que o silêncio? Já se disse também que o silêncio era um suplício, e capaz de enlouquecer aquele que nas prisões a ele estava obrigado. Mas que suplício – maior que o de guardar silêncio – é o de sofrer o silêncio de quem se ama! …De resto, mais cruel que o das prisões, tal silêncio é ele mesmo uma prisão. Uma clausura imaterial, sem dúvida, mas impenetrável, aquela fatia interposta de atmosfera vazia, mas que os raios visuais do abandonado não podem atravessar. Haverá luz mais terrível que o silêncio, que não nos mostra uma ausente, mas mil, e cada uma delas entregando-se a alguma outra traição?" 
p. 122

"Mas essas diferenças relativamente à nossa natureza, é ainda a nossa natureza a imaginá-las; tais dificuldades, somos nós que as levantamos; essas eficazes motivações, somos nós que as doseamos. E quando queremos que a outra pessoa execute na vida os movimentos que no nosso espírito lhe fizemos repetir, e que a põem a actuar segundo a nossa vontade, então tudo muda, esbarramos em resistências imprevistas que podem ser invencíveis. Uma das mais fortes é sem dúvida a repugnância insuperável e fétida que o homem que ama uma mulher que não o ama pode desenvolver nela..."
p. 142

«Que interessa o frasco, se nos der a embriaguez!» 
p. 229

"Apesar disso, devemos lembrar-nos de que a opinião que temos uns dos outros, as relações de amizade, de família, nada têm de fixo, a não ser na aparência, antes são eternamente móveis como o mar. Daí que se fale tanto de divórcio entre esposos que pareciam tão perfeitamente unidos e que, pouco depois, falam com ternura um do outro; de tantas infâmias ditas de por um amigo acerca de um amigo de quem o julgamos inseparável e com quem o iremos encontrar reconciliado antes de termos tempo de nos refazer da surpresa; de tantas alianças entre os povos desfeitas em tão pouco tempo." 
p. 270

"Mesmo nas querelas entre um homem bom e uma mulher má, e quando a razão está toda de um lado, acontece sempre que há uma ninharia qualquer que pode conferir à mulher a aparência de não estar errada num ponto. E como a mulher põe de lado todos os outros pontos, basta que o homem precise dela e esteja desmoralizado pela separação para que o seu enfraquecimento o torne escrupuloso, para se recordar das censuras absurdas que lhe foram feitas e perguntar a si mesmo se não terão algum fundamento."
p. 279

"O senhor conhece a história daquele homem que julgava ter numa garrafa a princesa da China. Era uma loucura. Curaram-no dela. Mas, mal deixou de estar louco, ficou estúpido. Há males de que se não deve procurar curar ninguém, porque são os únicos que nos protegem de outros mais graves. Um primo meu tinha uma doença de estômago, não era capaz de digerir nada. Os mais sábios especialistas de estômago trataram-no sem resultado. Levei-o a um certo médico (além disso, uma criatura bem curiosa, diga-se entre parênteses, e sobre quem haveria muito a dizer). Este adivinhou imediatamente que a doença era nervosa, convenceu o doente, ordenou-lhe que comesse o que quisesse sem receio e que foi sempre bem tolerado. Mas o meu primo tinha também uma nefrite. O que o estômago digeriu perfeitamente, acabou o rim por deixar de poder eliminar, e o meu primo, em lugar de viver até velho com uma doença de estômago imaginária que o obrigava a seguir uma dieta, morreu aos quarenta anos, com o estômago curado mas com o rim perdido."
p. 292


" (...) - Mas também tenho um pouco de albumina.
- Não devia saber isso. A senhora tem aquilo que eu descobri sob o nome de albumina mental. Todos nós tivemos, durante uma indisposição, a nossa crisezinha de albumina, que o nosso médico se apressou a tornar duradoura quando no-la revelou. Por cada enfermidade que os médicos curam com medicamentos (diz-se, pelo menos, que isso aconteceu algumas vezes), provocam outras dez em pacientes de boa saúde inoculando-lhes esse agente patogénico, mil vezes mais virulento que todos os micróbios, que é a ideia de que se está doente. Tal crença, com grande poder sobre o temperamento de toda a gente, actua com uma eficácia especial nos nervosos. Diga-lhes que está aberta uma janela fechada atrás das suas costas e começam a espirrar; faça-os julgar que lhes deitou magnésia na sopa, e ficarão cheios de cólicas; que o café era mais forte que de costume, e não pregarão olho toda a noite."
p. 304

"Visitei ontem uma casa de saúde para neurasténicos. No jardim, estava um homem de pé em cima de um banco, imóvel como um faquir, de pescoço inclinado numa posição que devia ser muito penosa. Quando lhe perguntei que estava ele ali a fazer, respondeu-me sem esboçar qualquer movimento nem virar a cabeça: «Doutor, eu sou extremamente atreito a reumatismos e a constipações, acabo de fazer muito exercício e, enquanto estava assim a aquecer estupidamente, tinha o pescoço encostado às minhas flanelas. Se me afastasse agora dessas flanelas antes de deixar passar o calor, tenho a certeza de que apanharia um torcicolo, e talvez uma bronquite.» E efectivamente apanhava. «Você é um belo neurasténico, é o que você é» disse-lhe eu. Sabe a senhora a razão que ele me deu para me provar que não? É que, enquanto todos os doentes do estabelecimento tinham a mania de se pesar, ao ponto de terem tido que colocar um cadeado na balança para que não se passassem todo o dia a pesar-se, a ele tinham de o obrigar a subir para a balança, tão pouco lhe apetecia fazê-lo. Exultava por não ter a mania dos outros, sem pensar que também tinha a dele, e que essa é que o defendia de outra qualquer. Não fique melindrada com a comparação, minha senhora, porque aquele homem que não se atrevia a virar o pescoço com medo de se constipar é o maior poeta do nosso tempo. Aquele pobre maníaco é a mais alta inteligência que conheço. Aceite que lhe chamem uma nervosa. A senhora pertence a essa família magnífica e lamentável que é o sal da terra. Tudo o que conhecemos de grande vem-nos dos nervosos. Foram eles e não outros que fundaram as religiões e compuseram as obras-primas. Nunca o mundo virá a saber tudo o que lhes deve e, sobretudo, o que eles sofreram para lho dar. Nós apreciamos a músicas puras, os quadros belos, mil delicadezas, mas não sabemos o que elas custaram aos que as inventaram, em insónias, em lágrimas, em gargalhadas espasmódicas, em urticárias, em asmas, em epilepsias, numa angústia de morte que é pior que tudo isso e da qual, minha senhora, talvez tenha conhecimento – acrescentou ele sorrindo para a minha avó -, porque, confesse, quando eu cheguei não estava muito tranquila. Julgava-se doente, talvez perigosamente doente. Deus sabe que enfermidade acreditava descobrir sintomas em si. E não estava enganada, tinha-os. O nervosismo é um imitador de génio. Não há doença que ele não falsifique maravilhosamente. Ele imita sem tirar nem pôr a dilatação dos dispépticos, os enjoos da gravidez, a arritmia do cardíaco, a febre do tuberculoso. Capaz de enganar o médico, como é que não havia de enganar o doente?..." 
p. 307

"Não, não tenho nada contra a sua energia nervosa. A ela, só lhe peço que me escute; é a ela que a confio. Ela que faça marcha-atrás. A força que exercia para a impedir de passear, de se alimentar suficientemente, que a use para a obrigar a comer, para a obrigar a ler, para a obrigar a sair, para se distrair de todas as maneiras. Não me diga que está fatigada. A fadiga é a realização orgânica de uma ideia preconcebida. Comece por não a pensar. E se alguma vez tiver uma pequena indisposição, o que pode acontecer a toda a gente, será como se não a tivesse, porque ela terá feito de si, um são imaginário." 
p. 308

"Os tolos julgam que as grandes dimensões dos fenómenos sociais são uma excelente ocasião para penetrar mais fundo na alma humana; mas deviam, pelo contrário, compreender que descendo em profundidade numa individualidade é que teriam a possibilidade de compreender esses fenómenos."
p.334

"Mandaram-me enxugar os olhos antes de ir beijar a avó… Quando os meus lábios lhe tocaram, as mãos dela agitaram-se, foi inteiramente percorrida por um longo arrepio, talvez por reflexo, talvez porque certos afectos têm a sua hiperestesia que reconhece aquilo que ama através do véu da inconsciência quase sem precisar dos sentidos para isso." 
p. 348

"Vive totalmente com a mulher e já nada verás do que te levou a amá-la; mas é certo que aos dois elementos desunidos, pode o ciúme juntá-los de novo." 
p. 356

"É por isso que as mulheres um pouco difíceis, que não possuímos logo, que nem sequer sabemos imediatamente se alguma vez poderemos possuir, são as únicas interessantes. Porque conhecê-las, abordá-las, conquistá-las, é fazer variar de forma, de grandeza, de relevo, a imagem humana, é uma lição de relativismo na apreciação de uma mulher que é belo tornar a ver depois de ela retomar a sua delicadeza de perfil no cenário da vida." 
p. 367

"É que, em geral, quanto mais curto é o tempo que nos separa daquilo a que nos propomos, mais longo nos parece, porque lhe aplicamos medidas mais breves ou simplesmente porque pensamos em medi-lo." 
p. 387

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